Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Um dos meus colegas de trabalho utiliza com frequência o verbo permitir com o significado de «ceder algo/enviar algo».

Exemplo: «A senhora nos permite uma cópia do documento?» — solicitando a alguém que nos encaminhe determinado documento.

Nunca havia me deparado com esse uso para o verbo permitir. É correto utilizá-lo dessa maneira?

Muito obrigada.

Resposta:

Entre os significados do verbo permitir, temos «dar lugar, ocasião a; possibilitar»; e possibilitar quer dizer «tornar possível (algo) a (alguém)».

Assim, «A senhora nos permite uma cópia do documento?» é o mesmo que perguntar «A senhora nos torna possível uma cópia do documento?».

O verbo permitir significa, ainda, «dar liberdade, poder ou licença para; consentir, conceder» e «admitir, tolerar»; pronominalmente, quer dizer «tomar a liberdade de». A palavra vem do «lat[im] permitto,is,mīsi,missum,tĕre, "dirigir para diante, impelir com força; entregar, render, abandonar; conceder, dar, permitir, autorizar"; (...) ; f[orma] hist[órica] sXV permitisse, sXV primitisse, sXV permeter, sXV permitendo, sXV permetio».

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]

Pergunta:

O que significa a expressão «o último dos moicanos».

Na minha opinião, penso que se refere a uma pessoa que ainda está agarrada a uma determinada posição apesar de todos os seus companheiros já terem adoptado uma outra.

Gostaria que me confirmassem este meu entendimento.

Obrigado.

Resposta:

«O último dos Moicanos» não é propriamente uma expressão consagrada na língua portuguesa, segundo o que consegui apurar. Trata-se do título de um filme em que o protagonista representa a última esperança.1

Assim, «em 1757, franceses e ingleses, na Guerra dos 7 Anos (1756-1763), lutam pela posse de terras na América do Norte, usando como soldados índios de diferentes tribos. Hawkeye, filho adoptivo de Chingachgook e pertencente à tribo dos Moicanos, consegue salvar as duas filhas de um oficial britânico do ataque dos índios Huronos e as acompanha até ao forte William Henry, tomado pelos franceses. Cora, uma das jovens, se apaixona por Hawkeye, que, junto da sua tribo, representa a última esperança também para os ingleses».

Os Moicanos eram um «grupo indígena, hoje considerado extinto, que habitava a área de Connecticut (Estados Unidos da América)».

Portanto, «o último dos Moicanos» não era «uma pessoa que ainda está agarrada a uma determinada posição apesar de todos os seus companheiros já terem adoptado uma outra», mas representava, sim, a «última esperança» para a sua tribo e, mesmo, para os ingleses que lutavam com os franceses. Estaria agarrado a «uma determinada posição», é verdade, contudo essa seria a posição da esperança, da luta a favor do seu povo — os Moicanos.

1 As tradições ortográficas do português do Brasil e do português europeu dividem-se quanto ao uso de maiúscula inicial com etnónimos como é o caso. O antigo Formulário Ortográfico de 1943, que esteve em vigor no Brasil até 2008, previa: «[o]s nomes de povos escrevem-se com inicial minúscula, não só quando designa...

Pergunta:

Andam escrevendo «fulano irá palestrar numa Faculdade».

Está certo isso? A meu ver é «irá proferir palestra na Faculdade de...».

Resposta:

Ambas as formas, «palestrar» e «proferir palestra», são correctas, embora a última seja considerada um pouco rebuscada.

O verbo palestrar significa «manter palestra, conversar», e o substantivo (nome) palestra é, neste contexto, «conferência ou debate sobre tema cultural ou científico».

Assim, parece-me que, se se quiser utilizar uma linguagem mais cuidada, é preferível a forma «proferir uma palestra», deixando a forma «palestrar» para situações mais coloquiais.

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]

Pergunta:

Sempre julguei que «tomada de posição» fosse o equivalente a posicionar-se no sentido de «decidir-se» ou ainda «agir».

No entanto, um site define a expressão como «manifestação pública de opinião».

Esta definição ajuda-me a entender, por exemplo, o seguinte título de um artigo da TSF: «Ministério das Obras Públicas promete tomada de posição sobre portagens.» No entanto, não consigo entender a mesma expressão em artigos da área da economia como na seguinte frase: «A tomada de posição no capital de bancos e outras empresas atesta do interesse natural e profundo que os angolanos têm pela economia portuguesa.»

Haverá diferenças entre «tomada de posição sobre» e «tomada de posição em»? Ou teremos de analisar, na 2.ª frase, «tomada de posição no capital»?

E se «tomada de decisão» é decidir-se (como penso que seja), «tomada de posição» não seria posicionar-se? Quais as diferenças entre uma e outra?

Muito obrigado!

Resposta:

Normalmente, a expressão «tomada de posição» quer dizer «manifestação, geralmente pública ou oficial, de opinião sobre determinado assunto» [in Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, de Emanuel de Moura Correia e Persília de Melim Teixeira, edição da Papiro Editora]. Assim, neste caso, posição é «opinião defendida por alguém».

Em economia, particularmente no contexto «tomada de posição no capital de bancos», a palavra posição significa «lugar ocupado numa escala de valores, numa hierarquia ou numa competição», de modo que «tomada de posição» será o mesmo que «ocupar um lugar», provavelmente como accionista dos bancos ou das empresas portuguesas.

Por outro lado, «a tomada de posição sobre o capital de bancos e outras empresas» é, realmente, uma «manifestação pública de opinião» sobre esse capital, enquanto a «tomada de posição no capital por parte de bancos e outras empresas» significa «ocupar um lugar» entre os «donos», por exemplo, dos bancos.

Pergunta:

Agradecia que me esclarecessem se é ou não correcto dizer-se:

«Vivo em Paris. Volto de vez para Portugal em Março.»

Nesta frase, o «voltar de vez» está correcto, ou apenas poderia aplicar-se em situações relativas ao passado, como por exemplo: «Voltei de vez para Portugal há cerca de um ano»?

Antecipadamente grato.

Resposta:

Sim, é correcto dizer-se «volto de vez para Portugal em Março», mas também se pode dizer «voltei de vez para Portugal há cerca de um ano»; se o mês está próximo, pode usar o presente do indicativo, conforme está explicado em respostas anteriores.

Quanto a «de vez», é uma expressão consagrada, registada, por exemplo, no Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, de Emanuel de Moura Correia e Persília de Melim Teixeira, edição da Papiro Editora; significa «a valer; de um rasgo; decisivamente; terminantemente; irrevogavelmente; para sempre».

Assim, «volto de vez para Portugal em Março» é o mesmo que dizer «volto irrevogavelmente para Portugal em Março».