Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A minha dúvida consiste no facto de, tendo em conta o nomeadamente, se, no seguinte texto, a procuração é extensível a todos os bancos, ou só à Caixa Geral de Depósitos e Caixa Económica Montepio Geral:

«a quem confere os necessários poderes para representar a sociedade perante quaisquer bancos e/ou instituições de crédito, nomeadamente Caixa Geral de Depósitos e Caixa Económica Montepio Geral, podendo proceder à abertura e ao encerramentos de contas...»

Grato pela atenção.

Resposta:

Nomeadamente, no contexto em causa, quer dizer «principalmente», mas «a procuração é extensível a todos os bancos», como se pode concluir de «quaisquer bancos e/ou instituições de crédito».

Por exemplo, se disser «na selecção portuguesa de futebol, os jogadores são todos muito bons, nomeadamente o Cristiano Ronaldo e o Pepe», está a salientar estes dois, mas são «todos muito bons».

Assim, embora desconheça o motivo que leva o autor do «texto» a distinguir, nomeando-as, a Caixa Geral de Depósitos e a Caixa Económica Montepio Geral, o que interessa, neste caso, é o âmbito da procuração.

Pergunta:

Qual é a grafia correcta: "catecumenato", ou "catecumenado"? O termo deriva do grego, com a intermediação do latim... Ambas as variantes surgem em publicações oficiais da Igreja Católica. O «velho» Morais conhece as duas formas; o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa não regista nenhuma, embora conheça os "catecúmenos"; Houaiss refere apenas "catecumenato".

Agradeço a vossa opinião.

Resposta:

O Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora, regista catecumenato (de catecúmeno + -ato) e catacúmeno (do gr[ego] katekhoúmenos, "o que é instruído de viva voz", pelo lat[im] catechumĕnu-, "id."), mas não acolhe catecumenado.

Catecumenato é «estado ou tempo de catecúmeno», e catecúmeno é «aquele que se prepara para receber o baptismo».

A Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, da Editorial Verbo, acolhe catecumenato, como termo da «História Eclesiástica», mas não regista catecumenado. Diz que catecumenato é «Série de provas exigidas pela Igreja aos que pretendiam receber o baptismo».

Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) regista ambos os termos, catecumenato e catecumenado, ao passo que a Infopédia reconhece só o primeiro.

Na verdade, o «Houaiss refere apenas "catecumenato"» (e catacúmeno), mas já o Aulete Digital acolhe os dois vocábulos (catecumenato e catecumenado), embora, na entrada catecumenado, nos remeta para catecumenato, a forma considerada preferível pelo dicionário.

Assim, ambas as grafias são correctas, mas parece-me preferível, e mais consensual, o termo catecumenato.

Pergunta:

Hipovolemia existe só no Brasil, ou também em Portugal? É que não encontro a palavra nos dicionários.

Resposta:

Em Portugal, o Dicionário de Termos Médicos, de Manuel Freitas e Costa, edição da Porto Editora, regista o substantivo (nome) hipovolemia (de hipo- e volemia) e diz que se trata de «diminuição do volume de sangue circulante no organismo»; também o Dicionário Médico, de L. Manuila, A. Manuila e outros, edição da Climepsi Editores, acolhe a palavra hipovolemia, acrescentando que o adjectivo é hipovolémico.

Como se trata de um termo especializado, da área da medicina, é muito natural que esteja registado nos dicionários médicos, mas não seja acolhido nos generalistas, apesar de, no Brasil, alguns deles (por exemplo, o Houaiss e o Aulete) o registarem.

Pergunta:

Estamos a escrever um procedimento de trabalho. Neste indicamos que, se acontecer a «situação X», procedemos à "interdição" de um certo equipamento. Após resolução da «situação X», deveremos proceder à "desinterdição" do equipamento. É no termo que significa o oposto de interdição que nos surgem dúvidas, porque não é uma palavra habitualmente ouvida/escrita/lida...

A palavra "desinterdição" como oposto de interdição existe? Pela lógica parece-me que sim, à semelhança de outras (ligar/desligar, coser/descoser, montar/desmontar, etc.).

Para já e para resolver provisoriamente esta questão (e arranjar um consenso na equipa) resolvermos substituir "desinterdição" por reactivação, embora ninguém tivesse ficado particularmente feliz com esta substituição porque não exprime bem o que pretendíamos.

Agradeço o vosso esclarecimento.

Resposta:

A palavra desinterdição está bem formada, e existe, de acordo com o exposto, a necessidade de a usar; assim, é legítima a sua utilização, mesmo que nenhum dicionário a registe. Não é o caso desta, dado que, por exemplo, o Aulete Digital a acolhe, dizendo que se trata de «suspensão ou levantamento de um estado de interdição, de impedimento; LIBERAÇÃO».

Pergunta:

Gostaria de saber o significado da expressão «golpe de asa», utilizada no poema Quase, de Mário de Sá-Carneiro.

Obrigado.

Resposta:

O contexto da expressão é este:

Quase

Um pouco mais de sol — eu era brasa,

Um pouco mais de azul — eu era além.

Para atingir, faltou-me um golpe de asa...

O Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, de Emanuel de Moura Correia e Persília de Melim Teixeira, edição da Papiro Editora, diz que a expressão «golpe de asa» quer dizer «proeza»; ou seja, dado que proeza, neste contexto, é «acto de coragem», «faltou-me um acto de coragem...».