Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Agradecia que me indicassem o ato de fala presente em  «Falo do tempo e de pedras, e, contudo, é em homens que penso« (José Saramago, A Bagagem do Viajante, 8.ª ed. Editorial Caminho, 2010, pp. 223-225).

Resposta:

Os atos de fala constituem ações linguísticas que têm lugar através de um dado enunciado que um locutor dirige a um dado ouvinte num determinado espaço e num determinado tempo. Este enunciado é sempre associado a uma intenção comunicativa com uma determinada força ilocutória (informar, exclamar, pedir…). Um ato de fala é composto por três atos: o ato locutório, que corresponde ao enunciado pronunciado na sua materialidade linguística; o ato ilocutório, que corresponde ao ato realizado pelo locutor quando pronuncia um determinado enunciado; o ato perlocutório, que corresponde ao efeito produzido por um ato ilocutório.

No caso da frase apresentada, podemos centrar a nossa atenção no ato ilocutório nela presente. Trata-se do ato ilocutório assertivo. Este atos caracterizam-se pelo facto de o locutor expressar a crença na verdade do conteúdo proposicional do enunciado produzido. No caso da frase em apreço, a crença do locutor reside no facto de afirmar que fala de tempo e pedras, mas pensa em homens.

Disponha sempre!

Pergunta:

Um simples roupão de banho pode ser considerado uma indumentária?

Resposta:

Em determinados contextos, um roupão de banho pode, com efeito, ser considerado indumentária.

A palavra indumentária pode ter várias aceções. No caso em apreço, o uso pode ativar sentidos como «conjunto de roupas usadas por uma pessoa». Também pode ser associada a um evento específico, com o valor de «tipo de roupa usada num determinado evento, contexto».

Assim, poderemos afirmar algo como:

(1) «A indumentária da festa foi o roupão e o fato de banho.»

(2) «Em casa, a indumentária preferida do João é o roupão.»

Disponha sempre!

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem quanto ao valor aspetual configurado no seguinte enunciado:

«O João começou a fazer os trabalhos de casa depois do almoço.»

A minha dúvida prende-se com o valor aspetual presente no complexo verbal «começou a fazer».

Por um lado, parece poder ser imperfetivo; mas a utilização do pretérito perfeito deixa-me a pensar se deverá ser considerado perfetivo.

Obrigado.

Resposta:

O valor aspetual presente na frase em apreço é o imperfetivo.

Um dos elementos distintivos entre os valores perfetivo e imperfetivo está relacionada com a forma como estes perspetivam a situação. Assim, o valor perfetivo apresenta a situação como estando completa, descrevendo-a na sua totalidade. Já o valor imperfetivo apresenta a situação como incompleta, perspetivando-a sem olhar ao todo e, normalmente, numa das suas fases: início, decurso ou fim.

Assim, na frase apresentado pelo consulente, constatamos que o complexo verbal «começou a fazer os trabalhos» veicula uma visão da situação no seu início, não existindo informação sobre um estado de completude. Deste modo, estamos perante a configuração do aspeto imperfetivo.

Disponha sempre!

«Quem com porcos anda, farelo come»
Significado do provérbio

No desafio semana, a professora Carla Marques explora a significação do provérbio ««Quem com porcos anda, farelo come» (apontamento divulgado no programa Páginas de Português, na Antena 2, de 01/06/2025) .

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra "contactante" existe na língua portuguesa.

Encontrei no site da Priberam, mas não existe em mais nenhum...

Obrigado.

Resposta:

O adjetivo contactante é uma palavra bem formada e já tem, com efeito, verbete no Dicionário Priberam.

Contactante significa «que ou quem faz contacto» e forma-se a partir da junção do sufixo -nte à base verbal contacta-, tal como acontece com outras formas adjetivas que indicam o agente de uma determinada ação: visitante ou amante, por exemplo. 

Este termo entrou já há mais tempo na variedade do português do Brasil, como atesta a sua presença em diversos dicionários brasileiros. No entanto, é possível também assinalar a sua presença em usos de português europeu, embora estes pareçam menos frequentes.

Eis alguns registos, identificados no Corpus do Português, de Mark Davies:

(1) «[...] disse à agência Lusa que "o alerta foi dado via 112 e que o contactante informou que, [...]» (RTP)

(2) «[...] um telefone atende o contactante com base num rígido e singelo algoritmo [...]» (Diário de Notícias)