Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Tenho visto algumas frases em que a construção ao + infinitivo me parece inadequada, possivelmente por resultar de traduções literais do inglês by + ing form, e gostaria de saber se a sua aplicação está correta ou não nos exemplos de 1 a 3.

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Intuitivamente, costumo usar a construção ao + infinitivo em orações temporais ou temporais-causais e valido a sua utilização substituindo-a por quando ou marcas temporais similares, como nestes exemplos.

4) Ao sair de casa, reparei que me tinha esquecido da chave. (Quando saí de casa, reparei que me tinha esquecido da chave)

5) A rapariga corou ao ver o rapaz. (A rapariga corou porque/quando viu o rapaz)

6) Ouviu as notícias ao preparar o jantar. (Ouvi as notícias enquanto preparava o jantar)

Eu percebo que nos exemplos de 1 a 3 se possam substituir as expressões ao + infinitivo por quando e, ainda assim, obter frases gramaticais. Contudo, parece-me que há uma notória alteração no significado destas frases. Para ser mais exata, estas frases são exemplos inspirados em traduções do inglês em que a forma ao + infinitivo serve de tradução de by + formas terminadas em -ing, que optei por não partilhar na plataforma por razões de confidencialidade. No entanto, em inglês seria mais ou menos assim:

1) You can see more info by clicking on this link traduzido como «Pode ver mais informações ao clicar neste link»;

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Resposta:

Com efeito, as orações temporais (reduzidas) com a estrutura ao + infinitivo expressam habitualmente um valor temporal, que é tipicamente o da simultaneidade1 (frase (1)). Surgem também usos com o valor de contiguidade temporal (frase (2)):

(1) «Ao ver o João, sorriu.»

(2) «Ao comer um doce, sentiu-se mal.»

Assim, em (1), o evento de «ver o João» é simultâneo ao de «sorrir». Em (2), o evento «sentir-se mal» ocorre após o de «comer um doce».

Nalgumas, identificamos uma proximidade entre os valores temporais de base e uma interpretação causal na relação entre os eventos descritos nas duas orações. Tal deve-se ao facto de uma das propriedades da relação causal ser a ordenação linear no tempo2. Este facto é observável sobretudo na frase (2), na qual o evento «sentir-se mal» pode ser interpretado como causado por «comer um doce».

No caso das frase apresentadas, transcritas de (3) a (5), percebemos que a relação temporal de simultaneidade poderá, eventualmente, ser pertinente em (3) e (5):

(3) «Pode ver mais informações ao clicar neste link

(4) «Publica um anúncio ao aceder à página principal.»

(5) «Descobre mais novidades ao ler este artigo.»

É aceitável uma interpretação de (3) em que se veicula o valor temporal de contiguidade, na qual o evento «clicar neste link» ocorre em primeiro lugar, sendo seguido de «ver mais informações». Também a frase (5) permite esta leitura de contiguidade temporal: o evento «ler este artigo» é seguido do evento «descobrir mais novidades». Esta leitura já não parece ser tão natural na frase (4) pois não parece, que a intenção seja a de veicular um valor de contiguidade entre evento.

Não obstante ser po...

O comparativo de inferioridade de <i>grande</i>
«menos grande do que»

O uso do comparativo de inferioridade de grande numa frase como «A minha casa é menos grande do que a tua» é aceitável? A professora Carla Marques aborda a questão no desafio semanal divulgado no programa Páginas de Português, na Antena 2de 13/07/2025.

«De antes» ou <i>dantes</i>?
A referência a um período temporal anterior

Qual a opção correta?  «Quero um bolo pelo preço "de antes" da crise.» ou  «Quero um bolo pelo preço "dantes" da crise.»?

A professora Carla Marques responde a esta questão no desafio semanal divulgado no programa Páginas de Português, na Antena 2de 29/06/2025.

Pergunta:

A minha questão prende-se com a diferença de significado entre "meta" e "objetivo", uma vez que os artigos que encontrei online sobre o tema são inconsistentes.

Por um lado, temos artigos que sugerem que "as metas são mais abrangentes e representam conquistas de longo prazo, e os objetivos são mais detalhados e orientados para a ação" (por exemplo, https://speedio.com.br/blog/diferenca-de-meta-e-objetivo/). Ou seja,

– Uma meta é um resultado geral que se pretende alcançar a médio/longo prazo. A meta é essencialmente a "linha de chegada".

– Os objetivos são resultados específicos que se pretende alcançar a curto/médio prazo. Os objetivos ajudam a alcançar as metas.

Por outro lado, temos artigos que dizem precisamente o contrário (por exemplo, https://happyflow.pt/objetivos-e-metas-o-que-sao-diferencas-importancia/):

– "Um objetivo define um propósito de concretização. Ou seja, indica com clareza aonde se quer chegar, e em que posição se quer estar num futuro mais ou menos próximo."

– "As metas são marcos que devem ser superados ao longo do caminho, para que seja possível atingir o que se deseja. Isto é, são os passos concretos e mensuráveis que se tomam para alcançar um objetivo específico."

Esta dúvida surgiu no contexto de uma aplicação de desporto, em que os atletas podem definir "goals". Estes "goals" são objetivos/metas específicas e mensuráveis de curto, médio ou longo prazo, por exemplo, correr 100 km num mês. À primeira vista, a palavra mais indicada parecer ser "metas" porque se trata de uma aplicação de desporto; no entanto, "meta" tem sempre esta ideia de "linha de chegada" ou "ponto final", e parece um pouco estranho dizer-se "as minhas metas de corrida para esta semana são...".

Obrigado pela vossa ajuda.

Resposta:

De uma forma geral, meta e objetivo podem ser usados como expressões equivalentes, visto que meta tem, entre outros, o valor de «objetivo que se almeja» e objetivo o de «aquilo que se pretende alcançar quando se realiza uma ação; alvo, fim, propósito, objeto»1.

Nalguns usos ou contextos particulares, a palavra meta pode ser associada ao ponto final de um percurso, ao seu limite ou termo, sendo aquilo que se atinge. Objetivo, por seu turno, pode ser associado preferencialmente ao que se pretende alcançar durante o percurso.

Com estes valores, poderá parecer a alguns falantes mais ajustada a seleção de objetivo para as frases como a seguinte:

(1) «O objetivo do atleta é correr 100 km num mês.»

Neste quadro, a palavra meta poderá indicar onde se pretende chegar no final de muito treinos ou até chegar um momento particular:

(2) «A sua meta é ficar classificado para a competição internacional.»

Disponha sempre!

 

1. Para a identificação destes valores, consultou-se o Dicionário Houaiss em linha.

«Ficar triste com algo»
Funções sintáticas

A professora Carla Marques esclarece, no desafio semanal, qual a função sintática do constituinte «com a tua decisão» na frase «Fiquei triste com a tua decisão» (rubrica divulgada no programa Páginas de Português, na Antena 2de 23/06/2025)