Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Nas frases:

«Ela se arroga essa liberdade.» – o vocábulo se é objeto indireto.

«Eles se gostam.» – o vocábulo se é complemento relativo.

Qual a diferença entre objeto indireto para complemento relativo?

Obrigado.

Resposta:

A função sintática desempenhada pelo pronome se depende da estrutura argumental do verbo com o qual ele ocorre. Deste modo, se pode desempenhar diferentes funções sintáticas, tal como se ilustra nas frases seguintes:

(1) «O João se feriu no braço. / O João feriu-se no braço.» (complemento direto = ferir alguém)

(2) «O João se ofereceu um livro. / O João ofereceu-se (a si) um livro.» (complemento indireto = oferecer algo a alguém)

(3) «Eles se gostam.»1 (complemento relativo = gostar de algo ou alguém)

Nas frases apresentadas pelo consulente, o pronome se desempenha diferen...

O prefixo <i>in-</i>
As formas variáveis do prefixo

Terá o prefixo in- mais do que uma forma? Esta é a questão que a professora Carla Marques trata no seu apontamento, partindo das palavras irracional e indispensável

Apontamento incluído no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 1 de outubro de 2023.

Pergunta:

Encontrei a seguinte frase:

«Este ano iremos poder contar com a presença de profissionais (…).»

Questiono-me se esta conjugação verbal está correta.

Verbo ir no futuro + infinitivo + infinitivo ?

Penso que ficaria melhor «poderemos contar» ou contaremos, mas queria uma justificação.

Obrigada.

Resposta:

O constituinte «iremos poder contar» é um complexo verbal constituído por dois verbos auxiliares (ir e poder) e por um verbo principal (contar). Trata-se, assim, de uma locução verbal com mais do que um auxiliar, o que em português pode ter lugar. 

Os auxiliares presentes no complexo estão ao serviço da expressão de valores diferentes. Assim, o auxiliar ir expressa uma ideia de futuridade, como acontece na frase (1):

(1) «Vamos ficar na escola todo o dia.»

(2) «A Joana irá entregar o trabalho.»

Em frases simples, o auxiliar ir usa-se normalmente no presente do indicativo. A opção pelo futuro é menos frequente e traduz um valor de futuridade equivalente.

O verbo poder, na qualidade de auxiliar, pode exprimir uma autorização (modalidade deôntica):

(3)

Pergunta:

A minha questão é referente à regência e/ou concordância da palavra equipa em número.

Fiz uma publicação de necrologia e a mensagem era «A equipa da empresa Y comunica com pesar e consternação o falecimento da Sra. X, mãe da esposa do nosso colega Z».

Entretanto, o jornal alterou para «A equipa da empresa Y comunica com pesar e consternação o falecimento da Sra. X, mãe da esposa do seu colega Z». Esta alteração suscitou debate e essa dúvida sobre se a primeira mensagem estava incorrecta.

Agradecia vossos preciosos comentários.

Resposta:

A questão colocada envolve, como bem afirma o consulente, um processo de concordância.

Em (1), o núcleo do sujeito da frase é «a equipa», ou seja, um constituinte equivalente à 3.ª pessoa do singular. Por esse motivo as concordâncias com este núcleo devem ocorrer na mesma pessoa e número.

(1) «A equipa da empresa Y comunica com pesar e consternação o falecimento da Sra. X, mãe da esposa do seu colega Z.»

Deste modo, está correto o uso do determinante possessivo seu, uma vez que ele se encontra na 3.ª pessoa do singular.

O uso do possessivo de 1.ª pessoa do plural poderia ocorrer se o núcleo da concordância fosse o pronome nós, como poderia acontecer numa frase como a que se apresenta em (2):

(2) «Nós, membros da equipa da empresa Y, comunicamos com pesar e consternação o falecimento da Sra. X, mãe da esposa do nosso colega Z.»

Finalmente, uma frase como a que se apresenta em (3) poderia dar azo a interpretações dúbias porque o determinante nosso poderia estar a concordar com um antecedente que não está expresso ou que seria reconstituído pelo contexto, que poderia corresponder a algo como o que indica entre parênteses retos:

(3) «[Nós ficámos agradecidos quando] a equipa da empresa Y comunicou com pesar e consternação o falecimento da Sra. X, mãe da esposa do nosso colega Z.»

Certo é que, formalmente, nosso não pode concordar com «a equipa».

No entanto, refira-se que, em contexto menos formais, pode ocorrer uma concordância siléptica, ou seja, uma concor...

Pergunta:

Por favor, dada a frase: «Pesa-me dos dissabores que lhe causei.»

Qual o sujeito do verbo pesa?

Qual a função sintática do termo «dos dissabores»? Qual a função sintática do termo me? Qual o objeto direto do verbo causei?

Se a frase fosse assim : «Pesam-me os dissabores que lhe causei.»

O que mudaria?

Grato.

Resposta:

De acordo com Celso Luft, o verbo pesar com o sentido de «causar mágoa ou pesar» é transitivo indireto:1

(1) «Pesam-me os dissabores que lhe causei.»

Nesta frase, a oração completiva «os dissabores que lhe causei» desempenha, em qualquer dos casos, a função de sujeito, o que justifica a concordância do verbo no plural2. O pronome me desempenha a função de complemento indireto.

No interior da oração subordinada relativa («que lhe causei»), identificamos as seguintes funções sintáticas:

– que: complemento direto

– lhe: complemento indireto

Contudo, relativamente ao verbo pesar, Luft acrescenta que «é usual anteceder essa oração [completiva] da prep. de, indicativa de ‘causa’» (Idem):

 (2) Pesa-me, Senhor, de vos ter ofendido.

O autor em referência não o menciona claramente, mas este complemento preposicionado pode também integrar um grupo nominal, como regista o gramático Francisco Fernandes2:

(3) «Pesou-me muito de minha cega confiança.»

É, portanto, gramatical a frase que inicia a pergunta:

(4) «Pesa-me dos dissabores que lhe causei.»

A análise sintática de (4) pode revelar-se mais complexa do que a de (1) e, portanto, pouco consensual. Com efeito, dir-se-ia que a descrição e classificação propostas por Luft não exclui a possibilidade de o complemento preposicionado, contenha ele uma oração ou um nome, ter a função de sujeito. Por outro lado, em usos como os ilustrados em (2), (3) e (4), Fernandes aceita que pesar seja um verbo impessoal, o que acarreta considerar que, em (4), a expressão «dos dissabores que lhe causei» constitua não o sujeito, mas um complemento preposicionado (em Portugal, um comp...