Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

O verbo cair é intransitivo. Não obstante, na frase «A árvore caiu sobre mim» o segmento «sobre mim» não é complemento oblíquo?

Obrigada.

Resposta:

O constituinte em questão desempenha a função de complemento oblíquo.

O verbo cair é usado sobretudo como intransitivo (1) e, pontualmente, como copulativo (2)1:

(1) «Ele ia a correr e caiu.»

(2) «O comentário caiu mal.»

Poderá também ser usado como transitivo indireto, situação em que rege preposição e é acompanhado de cum complemento oblíquo, como nas frases seguintes: 

(3) «A pedra caiu do céu.»

(4) «As culpas caíram no João.»

(5) «O Natal cai num domingo.»

(6) «A Rita caiu no chão.»

No caso da frase apresentada, transcrita em (7), o constituinte «sobre mim» dá uma informação sobre lugar e desempenha a função de complemento oblíquo:

(7) «A árvore caiu sobre mim.»

Disponha sempre!

 

1. Para a análise do verbo cair, consultaram-se as seguintes fontes: Casteleiro (dir.), Dicionário gramatical de verbos portugueses. Texto editores, 2007; Luft, Dicionário prático de regência verbal. Ed. Ática, 2008.

 

N.E.: Resposta revista em 06/10/2024.

Pergunta:

Na frase, «Obrigado, que tenha um bom dia», como se justifica o elemento destacado?

Obrigado.

Resposta:

A palavra que, destacada na frase, é usada como elemento introdutório de uma frase optativa:

(1) «Obrigado, que tenha um bom dia.»

Estamos perante uma frase optativa, uma estrutura que habitualmente está ao serviço da expressão de desejos:

(1) «Que chegue depressa!»

(2) «Que não chova no evento!»

As frases optativas caracterizam-se pelo uso do conjuntivo, sem que este esteja subordinado a um termo que funcione como predicador (este poderá simplesmente não estar explicitado). Frequentemente, as frases optativas são introduzidas por que, classificado como conjunção-complementadorna Gramática do Português, mas também podem ser introduzidas pelo advérbio oxalá ou por expressões como «Deus queira que»2.

Estas frases também podem ser elíticas, em situações em que o termo introdutório é omitido:

(3) «Que venham dias melhores!» = «Venham dias melhores!»

Disponha sempre!

  

1. Do ponto de vista da gramática tradicional, este que será considerado expletivo. 

2. Para mais informações, cf. Barbosa, Santos e Veloso in Raposo et al., Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 2585.

Pergunta:

Gostaria de saber se é correto o uso do artigo após os verbos referidos.

Por exemplo: «adoro desportos» ou «adoro os desportos»? «Gosto de filmes de terror» ou «gosto dos filmes de terror»? «Odeio pessoas arrogantes» ou «odeio as pessoas arrogantes»?

Já vi das duas formas e não sei qual seria o correto, ou se há contextos em que usamos o artigo e outros em que não. Nesse caso, gostaria de conhecê-los.

Muito obrigada pela ajuda.

Resposta:

Ambas as possibilidades são corretas, mas poderão implicar algumas diferenças de sentido. Neste contexto, não poderemos, todavia, falar de regras gramaticais. Estamos sobretudo no plano das intenções comunicativas, que poderão também estar muito dependentes do contexto.

A opção pelo não uso do artigo definido contribui para que a situação descrita seja perspetivada como uma realidade genérica:

(1) «Adoro desportos.»

(2) «Gosto de filmes de terror.»

(3) «Odeio pessoas arrogantes.»

Em cada uma das frases anteriores, os sintagmas nominais, por não serem determinados por um artigo, descrevem situações tomadas como realidades genéricas, sendo afirmações válidas em qualquer situação ou temporalidade e que poderão constituir referências abstratas aplicadas a realidades de diferentes contextos. Nestas frases, as situações descritas como «desportos», «filmes de terror» ou «pessoas arrogantes» não são apresentadas como entidades individuais, antes designam um conjunto de entidades da mesma espécie.

Se, no contexto conversacional, o referente «desportos», «filmes de terror» ou «pessoas arrogantes» for já conhecido os interlocutores, o recurso ao artigo definido já poderá ter lugar naturalmente, uma vez que poderão representar referentes mais concretos e conhecidos dos envolvidos na situação de comunicação. Neste sentido, é possível afirmar que o uso do artigo definido contribui para a referência a situações que são tomadas com um valor mais específico, apontando para a referência a realidade tomadas como concretas e designando entidades que se distinguem de outras ou que contrastam com elas, como se ilustra por meio da expansão das frases abaixo:

(4) «Adoro os desportos e as atividades intelectuais.»

(5) «Gosto dos filmes de terror, mas odeio as c...

Pergunta:

Gostaria de saber quantas orações há na frase: «Estou com medo de entrar no avião.»

Entendo que é apenas uma oração, mas há dois verbos, sem que seja uma locução verbal.

Poderia me explicar melhor?

Grata.

Resposta:

Na frase em questão estão presentes duas orações, que se dividem conforme se indica abaixo:

(1) «Estou com[ medo termo subordinante [de entrar no avião] oração subordinada substantiva completiva infinitiva].»

A oração subordinada integra o sintagma nominal «medo de entrar no avião» e é um complemento do nome medo.

Há muitos nomes que se combinam com orações infinitivas (e também finitas), ligando-se a estas por meio de uma preposição:

(2) «Ele tinha interesse em terminar o trabalho.»

(3) «Ele tinha medo de ficar atrasado.»

Disponha sempre!

Pergunta:

Gostaria de solicitar um esclarecimento relativamente à função sintática desempenhada pela expressão «com os colegas» nas frases seguintes:

«A Maria estudou com os colegas.»

«A Maria estudou a matéria com os colegas.»

Resposta:

O constituinte «com os colegas» desempenha a função sintática de modificador do grupo verbal.

O verbo estudar pode ser usado como transitivo direto, construindo-se com complemento direto, como se observa em (1):

(1) «Ele estuda matemática.»

Este verbo admite também usos intransitivos, construindo-se, neste caso, sem nenhum complemento, o que acontece em (2):

(2) «Ele passou de ano porque estudou.»

Por fim, pode ser usado como transitivo indireto com o valor de «fazer estudos; ser estudante; frequentar aulas». Neste caso, constrói-se com um constituinte com a função de complemento oblíquo:

(3) «Ele estuda em Coimbra.»

De acordo com o que ficou dito, nas frases indicadas pelo consulente, aqui transcritas em (4) e (5), o constituinte com o valor de companhia («com os colegas») não é, portanto, um argumento do verbo. Não sendo pedido pelo verbo, este constituinte tem a função de modificar o valor do verbo, desempenhando a função de modificador do grupo verbal:

(4) «A Maria estudou com os colegas.»

(5) «A Maria estudou a matéria com os colegas.»

Nas frases (4), o verbo estudar é intransitivo e na (5), transitivo direto.

Para distinguir a função de complemento oblíquo da de modificador do grupo verbal, pode também fazer-se uso de testes de identificação sintática (ver esta resposta). Apliquemo-los às frases (4) e (5):

(4) «O que é que ele fez com os colegas?»

      «Estudou.»

(5) «...