A concordância do substantivo e do verbo com «um e outro» é o tema central do apontamento da professora Carla Marques, divulgado no programa Páginas de Português, na Antena 2 (em 04/02/2024).
Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.
A concordância do substantivo e do verbo com «um e outro» é o tema central do apontamento da professora Carla Marques, divulgado no programa Páginas de Português, na Antena 2 (em 04/02/2024).
Só tenho visto conteúdos em que se diz que o pretérito perfeito só é usado para ações terminadas no passado e que não tem relação com o presente, isto é, pretérito absoluto.
Mas, às vezes, sinto que possui parcialmente o valor do present perfect do inglês. Por exemplo, em «Maria, a maçã caiu ao chão», o verbo cair pode nos mostrar que a maçã ainda está caída ou que ela já foi removida do chão.
A ambiguidade é resolvida pelo contexto, é claro. Mas em alguns casos, não se dá para perceber muito bem. Existe alguma expressão para se referir a esse aspecto que envolve a língua portuguesa?
Outro exemplo: «Claro! Ela roubou o meu carro.» Pode ter dois significados: «que o meu carro está com ela»; e «que o meu carro tinha sido roubado por ela, mas o recuperei».
O pretérito perfeito descreve habitualmente uma situação que está completa, concluída, completamente realizada.
Todavia, é possível, em determinados contextos, que a situação descrita pelo pretérito perfeito não esteja efetivamente concluída, como em (1):
(1) «O João esteve a fazer um trabalho.»
A situação descrita como «fazer um trabalho» pode estar ainda em curso, prolongando-se no tempo.
Sobre as frases apresentadas pelo consulente, poderemos dizer o seguinte:
(2) «Maria, a maçã caiu ao chão.»
O verbo cair descreve uma ação que se completa quando a maçã toca no chão, pelo que não se poderá dizer que não se trata de uma situação concluída. O facto de a maçã permanecer no chão em nada invalida o que se diz atrás.
(3) «Claro! Ela roubou o meu carro.»
Em (3), a situação descrita como roubar corresponde a apropriar-se ilegitimamente de algo. Ora, quando isso acontece, a situação está concluída. O facto de a frase (3) poder querer dizer «que o meu carro está com ela» significa que o verbo roubar pode também ter o valor de «ficar com», construção que permite perspetivar a situação como estando a decorrer.
Disponha sempre!
Em «... descreveu o impacto que o grupo modernista português vem exercendo sobre a produção artística e literária da contemporaneidade, desde o seu advento, com a publicação da revista Orpheu», o complexo verbal «vem exercendo» traduz um valor aspetual imperfetivo ou iterativo?
Obrigada.
O aspeto iterativo descreve uma situação «que se obtém quando uma situação é repetida numa porção espácio-temporal delimitada, mas sendo o conjunto dessas repetições perspetivado como um evento único»1.
Não me parece, contudo, que a situação descrita como exercer se possa perspetivar como sendo composta por atos que se repetem (têm um início e um fim e repetem-se depois). Esse valor fica claro, por exemplo, em (1) no qual o ato de correr é perspetivado como situação única, mas corresponde a uma repetição de situações que têm início e fim:
(1) «O João corre todos os dias.»
Neste caso, penso que fará mais sentido interpretar a frase apresentada como veiculando um valor aspetual gramatical imperfetivo (associado a uma aspetualidade durativa).
Disponha sempre!
1. Cunha in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 586.
Estão corretas as frases «É pena ele tê-la abandonado» e «É pena tu tere-la abandonado»?
Obrigado.
Ambas as formas estão corretas.
Na frase em questão, observamos a construção «é pena» seguida de oração subordinada completiva com função de sujeito. Esta oração subordinada caracteriza-se por ser uma oração infinita, apresentando, portanto, o verbo na forma infinitiva.
Na primeira frase, transcrita em (1), o sujeito da oração subordinada encontra-se na 3.ª pessoa do singular e o verbo é acompanhado de um pronome clítico de 3.ª pessoa do singular:
(1) «É pena ele tê-la abandonado.»
O pronome clítico substitui um constituinte com a forma feminina, singular, que poderia ter a forma que se apresenta em (2):
(2) «É pena ele ter abandonado a Rita.»
Desde já muito obrigada pelo vosso trabalho.
Ao explicar a uma aluna estrangeira a formação da voz passiva indiquei que geralmente o verbo auxiliar para a formação da voz passiva é o verbo ser. Contudo, expliquei também que apesar de o verbo ser constituir o verbo principal da voz passiva, verbos como estar, ficar, ... combinados com um particípio também podem formar a voz passiva.
A pergunta da aluna foi: «quando é que eu sei se tenho de usar o verbo ser ou o verbo estar?»
Dado que na língua nativa dela (francês) só existe um verbo com o mesmo significado (être), torna-se mais complicado entender o significado de cada verbo.
Ex.: «A mãe lavou a minha camisola. A minha camisola foi lavada pela mãe. A minha camisola está lavada.»
Para a aluna, faria sentido dizer «A minha camisola esteve lavada...»
Entendo que quando em português usamos o verbo estar, estamos na verdade a deixar claro o resultado da ação, mas acabei por não encontrar nenhuma explicação lógica/prática para esta questão.
Poderiam esclarecer-me, por favor?
Muito obrigada.
Nas construções passivas, normalmente, o auxiliar ser usa-se para descrever-se situações estáveis, ao passo que o verbo estar descreve situações episódicas.
Existem diferentes tipos de passiva, que são construídas com diferentes verbos auxiliares.
Poderemos, assim, considerar os seguintes tipos:
i) a passiva eventiva, associada ao verbo auxiliar ser: esta descreve situações dinâmicas nas quais uma das entidades sofre uma mudança:
(1) «O livro foi oferecido pelo João.»
ii) a passiva resultativa, construída com o auxiliar ficar, que descreve o resultado de uma mudança (lugar, posse, estado):
(2) «O trabalho ficou concluído.»
iii) a passiva estativa, que descreve estados e que se constrói com o verbo ser (com predicados estáveis) e com o verbo estar (com predicados transitórios/episódicos):
(3) «O trabalho está concluído.»
Disponha sempre!
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