Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Que atos de fala se identificam nos seguintes enunciados, retirados da Farsa de Inês Pereira?

a. «Será bem que vos caleis,/(…)/que não me respondereis nada,». (vv.13-15);

b. «Se eu disser «isto é novelo», / havei-lo de confirmar.». (vv.39-40).

Resposta:

Nos versos retirados da Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente, encontramos vários atos ilocutórios diretivos.

As frases em questão surgem nos versos indicados entre parênteses. Procedemos aqui à divisão dos versos por frases para facilitar a análise:

(1) «Será bem que vos caleis.» (vv.793)

(2) «E mais, sereis avisada/ que não me respondais nada,/ em que ponha fogo a tudo,/ porque o homem sesudo/ traz a mulher sopeada». (vv.794-798)

(3) «Se eu disser: – isto é novelo –/ havei-lo de confirmar.» (vv. 819-820)

Assim, em qualquer destas frases, identificamos como objetivo ilocutório a procura, por parte do locutor, de que o alocutário venha a realizar uma dada ação, verbal ou não verbal1, a saber:

(1) Ficar calada.

(2) Não responder.

(3) Confirmar tudo o que ele disser.

Por esta razão, em todas as frases do auto vicentino, estamos perante um ato ilocutório diretivo.

Disponha sempre!

 

1. Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa. Caminho, p. 75.

Pergunta:

Relativamente às palavras destacadas, agradecia que me indicassem se a frase é aceitável:

«Deseja que possa brincar sem ser criticada por NINGUÉM ou por ALGUÉM que a menospreze.»

Obrigado

Resposta:

A frase apresentada é aceitável.

Os pronomes indefinidos ninguém e alguém relacionam-se entre si num paralelo entre o valor negativo (ninguém) e o valor positivo (alguém).

Em frases como a que se apresenta em (1), o pronome ninguém não pode ser substituído por alguém1:

(1) «Ele não é criticado por ninguém.»

Todavia, em determinados contextos sintáticos, ninguém pode ser substituído livremente por alguém. É o caso com orações relativas:

(2) «Não conheço ninguém que a menospreze.»

(3) «Não conheço alguém que a menospreze.»

Por esta razão, a frase apresentada pelo consulente é aceitável, uma vez que conjuga as situações exemplificadas em (1) e (3).

Disponha sempre!

 

 1. Para mais informações, cf. Peres in Raposo et al., Gramática do português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 489-492.

Pergunta:

Há alguma situação em que a vírgula não seja obrigatória para isolar o modificador do grupo verbal (exceto quando este aparece no final da oração)?

Por exemplo, nos casos em que a oração se inicia com um modificador do grupo verbal e, de seguida, temos um verbo (e não um sujeito expresso), é obrigatório?

E nos casos em que o modificador do grupo verbal surge no meio da oração, há alguma exceção para que a vírgula não seja obrigatória?

Obrigada.

Resposta:

Em muitos casos, o uso da vírgula pode ter uma função estilística, o que torna o seu uso facultativo.

Assim, a vírgula isola o modificador do grupo verbal em início de frase, mas, como indicam Cunha e Cintra, «[q]uando os adjuntos adverbiais1 são de pequeno corpo (um advérbio, por exemplo), costuma-se dispensar a vírgula. A vírgula é, porém, e regra quando se pretende realçá-los.»2

No interior da frase, o uso de vírgula pode também depender do tamanho do modificador. Assim, um modificador mais longo, que interrompe a ligação entre o verbo e o seu complemento, poderá ser assinalado por vírgula:

(1) «O João morou, durante longos anos, em Faro.»

No entanto, em casos em que não se pretende realçar o modificador e em que este não introduz uma quebra na frase, a vírgula pode ser omitida:

(2) «O João morou durante longos anos em Faro.»

Quando este modificador é uma só palavra (um advérbio, por exemplo), a tendência é mesmo para não usar a vírgula (a não ser que se pretende destacá-lo):

(3) «O João viu hoje este filme.»

Em muitas destas situações, não estamos perante uma situação em que o uso da vírgula é obrigatório ou proibido. Trata-se, antes, de um uso possível com intuitos estilísticos.

Disponha sempre!

 

1. No quadro do Dicionário Terminológico, estes constituintes poderão desempenhar a função de modificador do grupo verbal ou de complemento oblíquo.

2. Cunha e Cintra, Nova gramática do português contemporâneo. Ed. Sá da Costa, p. 642.

Ámen ou amém?
Pronúncia e grafia

Qual das duas forma está correta? Amém, com m no final, ou ámen, com n no final? Esta é a questão tratada pela professora Carla Marques neste seu apontamento (divulgado no programa Páginas de Português, da Antena 2, em 7 de abril de 2024). 

Pergunta:

Em contexto político ou governativo, os nomes deputado, mandato e eleito podem ser termos sinónimos?

Ou será que existem diferenças de significado?

O seguinte texto, extraído do website do jornal Expresso (11/03/2024) parece estabelecer uma sinonímia entre os termos:

«No domingo, a Aliança Democrática (AD), liderada por Luís Montenegro, venceu as eleições legislativas, com 29,49% dos votos e 79 deputados, à frente de PS, de Pedro Nuno Santos, segundo mais votado, com 28,66% e 77 eleitos, e Chega, de André Ventura, com 18,06% e 48 mandatos, de acordo com os resultados provisórios, faltando ainda atribuir os quatro mandatos pela emigração.»

Resposta:

As palavras não são termos sinónimos, na medida em que, na relação que estabelecem, não são palavras equivalentes entre si.

Não obstante, em contexto, as palavras em questão estabelecem diferentes tipos de relações entre si que as aproximam.

Assim, entre deputado e mandato existe um tipo de metonímia que relaciona as palavras. A metonímia é «[e]m sentido lato, é a figura de linguagem por meio da qual se coloca uma palavra em lugar de outra cujo significado dá a entender. Ou a figura de estilo que consiste na substituição de um nome por outro em virtude de uma relação semântica extrínseca existente entre ambos. Ou, ainda, uma translação de sentido pela proximidade de ideias» (Ceia, E-dicionário de Termos Literários). Neste caso, mandato substitui deputado designando algo que foi atribuído a este último.

Entre deputado e eleito, podemos também identificar um tipo de metonímia que relaciona causa e efeito, porque o deputado é-o porque foi eleito.

Em conclusão, são lícitos os usos descritos.

Disponha sempre!