Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Enquanto pesquisava critérios de diferenciação entre orações coordenadas explicativas (OCE) e orações subordinadas adverbiais causais (OSAC), verifiquei, em uma de suas respostas no campo Consultório, que os senhores classificaram a oração «Ela estudava muito, pois desejava ser aprovada» como OCE.

Parece-me irresistível não ver nela uma relação de causa (desejar de ser aprovada) e efeito (estudar muito).

Por que ela é classificada como OCE? E como eu poderia reescrevê-la de modo a que ela se torne uma OSAC?

Por exemplo, caso o verbo “desejar” estivesse no pretérito mais-que-perfeito do indicativo (indicando que a ação de “desejar” é anterior a de “estudar”), a oração seria SAC?

Parabéns pelo excelente trabalho!

Resposta:

Quando estamos perante uma frase que inclui uma oração subordinada adverbial causal, tipicamente, a segunda oração descreve uma causa real:

(1) «O João partiu a perna porque caiu.» (O facto de ter caído tem como consequência ter partido a perna)

Nesta frase, cair corresponde à situação apresentada como causa real que tem como consequência «partir a perna».

Numa frase que inclua uma oração coordenada explicativa, a segunda oração não apresenta uma causa real para a situação enunciada na primeira oração, mas antes uma causa a qual também não é uma consequência da segunda. Trata-se, antes, de uma causa de dicto. Veja-se (2):

(2) «Vai chover, pois o céu esta muito escuro.» = «*O facto de o céu estar muito escuro não tem como consequência chover.»

A frase (2) apresenta uma justificação para o enunciado apresentado na primeira oração, pelo que poderá ter a seguinte paráfrase:

(2a) «Afirmo que vai chover, e justifico a minha afirmação com o facto de o céu estar muito escuro.»

Esta paráfrase não é possível em (1):

(1a) «*Afirmo que o João partiu a perna, e justifico a minha afirmação com o facto de ele ter caído

Acresce que a oração coordenada explicativa surge sempre em final de frase enquanto a subordinada causal pode ser colocada no início ou no fim da frase:

(1b) «Porque caiu, o João partiu a perna.»

(2b) «*Pois o céu está muito escuro, vai chover.»

No plano da temporalidade, quando a causa é efetiva, a situação apresentada na oração causal é temporalmente anterior à situação descrita na oração principal, enq...

Dos caminhos da pandemia às doenças da sociedade
As metáforas da covid-19 (III)

As metáforas da covid-19 concebem também esta realidade como uma «corrida contra o vírus», feita de várias provas: «não é um sprint, é uma maratona», mas, por vezes, é preciso «fazer um sprint», é uma «prova de esforço» que, em certas ocasiões, exige «reduzir a velocidade». Metáforas que se espraiam também no campo conceptual das patologias, vendo estes tempos  também como uma doença feita de anemia, neurose, febre, embolia, contágio e até morte. Está é uma nova abordagem às metáforas da covid-19, pela professora Carla Marques.

Pergunta:

Dirijo-lhes a seguinte indagação do ponto de vista morfológico.

Na frase «Em menos de uma hora era impossível», qual a classe gramatical da palavra menos no referido caso? Se for advérbio, indiquem-me, por favor, a palavra que tal vocábulo modifica.

Obrigado.

Resposta:

A palavra menos é um quantificador, que incide sobre o sintagma nominal «uma hora» por intermédio da preposição de.

A expressão «em menos de» é uma locução adverbial que introduz um sintagma que, na frase em questão, fornece informação relativa à localização temporal da situação, não sendo, neste caso, um constituinte exigido pelo predicador.

Esta locução é formada pela preposição em  seguida do quantificador menos. Este quantificador é considerado um «quantificador de contagem vago» por Peres (in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 778). Este é seguido da preposição de e de um nome / sintagma nominal: «menos de uma hora».

Na sua globalidade, o constituinte «em menos de uma hora» incide sobre o predicado «era impossível»

Disponha sempre!

Pergunta:

Como dividir e classificar as orações em «Morder como quem beija!», in "Ser Poeta", de Florbela Espanca (1894-1930)?

Muito obrigado!

Resposta:

A frase apresentada é elítica uma vez que omite a sua parte inicial. A frase completa será:

(1) «Ser poeta é morder como quem beija!»

Esta caracteriza-se por integrar diversas orações encaixadas no interior das funções de sujeito e de predicativo do sujeito.

Assim, o constituinte «ser poeta» é uma oração infinitiva completiva com a função de sujeito. Note-se que esta oração tem no seu interior um predicativo do sujeito, o constituinte «poeta». Por sua vez, o constituinte «morder como quem beija» é uma oração infinitiva completiva, que, ao nível da frase, desempenha a função sintática de predicativo do sujeito. No interior deste constituinte, encontramos uma oração subordinada adverbial comparativa («como quem beija»)1. Finalmente, no interior deste último constituinte encontramos ainda uma oração substantiva relativa («quem beija»).

Em (2) representamos, por meio de parênteses retos, o sistema de encaixe das diversas orações assinaladas:

(2) «[Ser poeta]sujeito (oração infinitiva completiva) é [morder [como [quem beija]oração substantiva relativa]modificador (oração adverbial comparativa)]predicativo do sujeito (oração infinitiva completiva)!

Disponha sempre!

 

1. Esta é a classificação possível no âmbito do ensino não superior em Portugal e de acordo com o quadro de orações previsto no Dicionário Terminológico. Se quisermos adotar uma outra perspetiva de análise, poderemos considerar que estamos perante uma oração subordinada adverbial de modo (de acordo com o previsto por Lobo in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 2025 – 2027).

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a função sintática que a forma verbal «comer» desempenha na seguinte frase: «Eu fui comer.»

Muito obrigado.

Resposta:

A frase apresentada inclui uma perífrase verbal constituída pelo verbo auxiliar ir seguido de verbo pleno no infinitivo. Por essa razão, o verbo comer não desempenha uma função sintática relativamente ao verbo ir. O que acontece é que, em conjunto, estes dois verbos são um complexo verbal que tem a função de predicado na frase, que é uma frase simples.

Disponha sempre!