Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A frase «Tens mesmo de vir visitar-me em Como (cidade italiana)» está correta?

Ou será antes «Tens mesmo de vir visitar-me a Como»?

Obrigada.

Resposta:

É possível combinar o verbo visitar com as duas preposições. Todavia, o sentido será ligeiramente diferente.

Com a preposição a, como em (1), ativa-se um sentido de movimento direcional:

(1) «Tens mesmo de vir visitar-me a Como.»

A preposição a caracteriza-se por indicar o lugar final do movimento, neste caso a cidade de Como.

Com a preposição em, como em (2), marca-se a mudança de lugar:

(2) «Tens mesmo de vir visitar-me em Como.»

Como explicam Raposo e Xavier, a «preposição locativa em adquire um valor parcialmente dinâmico, na medida em que assinala o lugar que o tema passa a ocupar, perspetivando-o como o resultado de uma mudança a partir de um lugar ocupado anteriormente»1.

Como se pode concluir, não estamos perante uma distinção profunda de significados, pelo que no uso quotidiano as diferenças entre as duas construções tendem a esbater-se.

Disponha sempre!

 

1. Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1543.

Pergunta:

Já li frases do tipo: «Foi uma situação algo incrível», «Ela é uma pessoa algo insuportável», «Foi um jogo algo impossível de se ganhar».

Como se justifica o uso de algo nas frases retromencionadas, ou seja, qual é o valor morfossintático do algo naquelas frases?

Resposta:

Nas frases em questão, algo é usado como advérbio de quantidade e grau.

A palavra algo pode ser usada como um pronome indefinido, como acontece em (1):

(1) «Algo lhe chamou a atenção.»

Também pode surgir em frases como um substantivo:

(2) «Ele foi seduzido por algo.»

Por fim, algo pode ser usado como um advérbio que se associa a um adjetivo para exprimir o grau relativo, como acontece nas frases apresentadas pelo consulente. 

Disponha sempre!

Pergunta:

Se é possível «comparecer por carta, procuração, videochamada» ou «videoconferência», «comparecer pessoalmente» não pode ser pleonasmo vicioso/redundância viciosa!

Concordam?

Muitíssimo obrigado.

Resposta:

Com efeito, a construção «comparecer pessoalmente» pode ser entendida como redundante.

 O verbo comparecer tem o significado de «apresentar-se em (determinado lugar) pessoalmente» (Dicionário Houaiss). De acordo com esta significação, quando a comparência em determinado local é feita pela própria pessoa, torna-se redundante associar o advérbio pessoalmente ao verbo comparecer

Disponha sempre!

Pergunta:

Na frase «A questão colocada era idêntica, mas com o número 5 no enunciado, na vez do número 7», a expressão «na vez de» surge como alternativa a «em vez de».

Diria que só esta é que está correta, mas não estou seguro. São aceitáveis ambas as expressões?

Agradeço antecipadamente.

Resposta:

Na frase em questão, a locução «em vez de» é preferencial.

O nome comum vez pode surgir em diferentes situações de uso. Entre elas, regista-se a sua presença em variadas locuções, como «em vez de», cujo sentido é o de «em substituição a, em lugar de» ou «ao contrário de, ao inverso de; ao invés de»1, como se observa nos exemplos (1) e (2), respetivamente:

(1) «Comprou um vestido de seda em vez daquele de algodão.»

(2) «Em vez de rir, chorou.»

Ora, na frase em questão, o sentido mobilizado é o que aqui se apresenta em (1), pelo que se sugere o uso preferencial da locução «em vez de»:

(3) «A questão colocada era idêntica, mas com o número 5 no enunciado, em vez do número 7.»

Note-se que é possível encontrar o nome vez associado à contração da preposição em com o artigo definido a, como em (4) ou (5):

(4) «Ele falou na vez do João.»

(5) «Ele jogou na vez do João.»

Em (4), não estamos perante o sentido apontado em (1), mas sim num uso que conjuga o uso do verbo falar combinado com a preposição em, que aquele rege, seguidos do grupo nominal «a vez do João», pelo que o sentido da frase é o que o locutor falou no momento em que o João iria falar. Já na frase (5), temos uma situação similar: o verbo jogar rege a preposição em, que é seguida do grupo nominal «a vez do João».

Em determinadas situações, a significação da construção presente em (4) e (5) pode, não obstante, ficar muito próxima da que se assinala em (1), mas estamos perante uma situação distinta do ponto de vista sintático.

Disponha sempre!

...

Pergunta:

A conjunção ou indubitavelmente é classificada como conjunção alternativa em qualquer livro de gramática. Não obstante, vejo que no contexto abaixo o sentido expresso por ela está mais adição em vez de alternância. Seria correto classificá-lo como conjunção aditiva?

«O professor fala português ou inglês fluentemente.»

Obrigado.

Resposta:

Na frase transcrita em (1), a conjunção ou é usada com o valor de inclusão:

(1) «O professor fala português ou inglês fluentemente.»

A conjunção ou pode ser usada com um valor exclusivo, sinalizando que a articulação entre dois elementos aponta para a opção por um deles, como se observa em (2) e (3):

(2) «Vou à praia ou vou à biblioteca.»

(3) «Podes escolher o João ou o Pedro.»

A conjunção ou pode também ser usada com um valor inclusivo, sinalizando que os dois elementos coordenados são ambos considerados (não existindo a exclusão de um deles, como no valor acima descrito). Veja-se o exemplo apresentado em (4):

(4) «Todos os alunos, meninos ou meninas, vão à visita de estudo.»

Na frase apresentada pelo consulente, a conjunção ou apresenta este último valor. 

Disponha sempre!