Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Numa ficha de 11.º ano vi o seguinte:

«Na frase "O silêncio assume a mesma importância QUE pode ter a música" (linha 27) o constituinte sublinhado é ( o constituinte sublinhado é QUE) (A) uma conjunção. (B) um determinante. (C) um pronome. (D) uma preposição.»

Na correção afirmam que o constituinte «que» é um determinante... Confesso que não entendo.

Gostaria, por obséquio, que me ajudassem a entender. Sei que pode assumir a classe de nome, preposição, pronome, partícula de realce, mas de determinante não consigo ver.

Muito obrigada!

Resposta:

Na frase em questão, o constituinte «que pode ter a música» é uma oração subordinada relativa, pelo que a palavra que é aqui um pronome relativo que assume como antecedente o nome importância

Deste modo, a opção correta será a (C), pronome, pelo que a proposta apresentada será, com certeza, uma gralha.

Disponha sempre!

Pergunta:

O pronome pessoal se pode ter vários valores. Relativamente ao valor reflexo, sabemos que a ação cai sobre quem a praticou, por isso, verbos como vestiu-se, lava-se, deitar-se, etc., são fáceis de identificar. Sei também que a expressão «a si mesmo/próprio» é uma boa maneira de identificação.

A minha questão é sobre o que se passa em outros verbos, por exemplo, cruzar-se, intromete-se ou apercebeu-se.

A frase «Ele intromete-se (a si próprio) na vidas das outras pessoas» não me parece descabida de todo, no entanto, num livro de exercícios de gramática que estou a usar indicam que este se não tem valor reflexo, assim como nos outros verbos que mencionei.

Há alguma outra maneira de identificar mais facilmente o valor do pronome pessoal se?

Resposta:

A classificação da função e dos valores do pronome se é uma questão que envolve complexidade por existirem propostas de análise distintas e nem sempre compatíveis.

Não obstante, poderemos referir, como se explicou nesta resposta, que o pronome se pode ser usado

(i) como pronome reflexo: tendo um valor reflexo ou recíproco, em situações que admitem a paráfrase com a construção «a si próprio» ou «um ao outro», respetivamente;

(ii) em passivas reflexas, com verbo transitivo na 3.ª pessoa;

(iii) como pronome impessoal;

(iv) como pronome inerente (que não tem função na frase).

No entanto, como se adverte na Gramática do Português, «Existem numerosos verbos intransitivos em português que não se deixam analisar facilmente como participando em qualquer destes tipos de frase1 e que ocorrem (na maioria dos casos obrigatoriamente, por vezes opcionalmente) com se. Nesse caso, diz-se que têm conjugação reflexa»1. Este é o caso que corresponde ao pronome inerente.

Entre os verbos que se caracterizam pela dificuldade de análise, encontram-se os de movimento e/ou postura corporal, como ajoelhar-se, curvar-se, dirigir-se, reclinar-se, entre outros3. Ora, o verbo cruzar-se poderá ser incluído neste grupo, o que leva a considerar que tem um pronome inerente.

Acrescenta-se, ainda, na mesma gramática que verbos de natureza psicológ...

Pergunta:

«Pequeno pormenor» não é um pleonasmo?

Resposta:

Com efeito, a expressão é pleonástica. 

O pleonasmo consiste na repetição de uma ideia na mesma frase. Este recurso pode ser usado com intenções estilísticas. Nesse caso, permitirá o realce de uma dada ideia. É o que acontece, por exemplo, no verso d’Os Lusíadas:

(1) «Vi claramente visto, o lume vivo» (Canto V, 18)

No caso da expressão «pequeno pormenor», sem outro contexto que venha alterar o que aqui se afirma, estamos perante um pleonasmo dado que pormenor habitualmente é usado com um sentido que inclui a ideia de pequenez, o que torna redundante o recurso ao adjetivo pequeno.

Disponha sempre!

<i>Refugiado</i> e <i>migrante</i>
Duas palavras para duas realidades distintas

O êxodo que se verifica na Ucrânia, fruto da situação de guerra vivida, convoca a distinção entre os termos migrante e refugiado, que dá tema à crónica da professora Carla Marques

Pergunta:

Quanto à questão formulada por Natanael Estêvão, em 4/3/2022, foi dito, ao final da resposta, que «esta construção será preferencial à que se apresenta na pergunta, pois não causa a estranheza da primeira». A par da estranheza, pergunto: seria a construção também agramatical, configurando uma exceção? Creio ser essa a dúvida de Natanael.

A propósito, nos exemplos dados pelo citado consulente, pode-se também lançar mão do recurso de usar a expressão «o fato de»: «apesar de o homem ter morrido...» (apesar do fato de o homem ter morrido); «o maior problema está em isso fugir do nosso controle (o maior problema está no fato de isso fugir do nosso controle). Portanto, pode-se imaginar uma elipse em todos os casos, contornando as contrações.

Obrigado.

Resposta:

Com efeito, como implicita o consulente, a resposta dada à questão referida não será clara quanto à gramaticalidade da construção em causa, pelo que importa explicitar os passos da análise aí conduzida.

Antes de mais, torna-se claro que uma frase como a que se apresenta em (1) é, de facto, agramatical:

(1) «*Como respondi a a professora tê-las subestimado?»

Esta agramaticalidade advém do facto de ser de regra não proceder à contração da preposição quando esta introduz uma construção com infinitivo. No caso particular da frase (1), esta situação gera a contiguidade da preposição a com o artigo definido a, o que também não é aceitável do ponto de vista gramatical.

Perante o problema que a construção desencadeia, é importante procurar na língua construções que sejam equivalentes e que possam resolver o problema criado pelo encontro da preposição com o artigo no caso concreto da frase em análise. Assim, a frase que propusemos, aqui transcrita em (2), poderá ser vista como uma solução para resolver a questão, pois permite recuperar um constituinte que poderia surgir na frase, assegurando a sua gramaticalidade:

(2) «Como respondi ao facto de a professora as ter subestimado?»

Quando se usa o termo recuperar, estamos a considerar que a própria língua assegura a gramaticalidade das suas construções, possibilitando estruturas corretas, que os falantes poderão adotar ou não.

Como refere o consulente, o constituinte «o facto de» poderia, com efeito, surgir em muitas estruturas com preposição a introduzir construção de infinitivo. Não obstante, não exis...