Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Aliás, também e sobretudo são classificados como advérbios de quê?

Resposta:

As propostas de subclasses dos advérbios são algo flutuantes, pelo que poderemos encontrar propostas de subdivisão muito diferentes: desde as que se organizam por critérios sintáticos àquelas que mobilizam critérios semânticos.

Consideraremos aqui um critério semântico que está relacionado com as circunstâncias que os advérbios descrevem1.

Neste contexto, também poderá ser considerado um advérbio de inclusão numa frase como (1):

(1) «Ele escreveu também este livro.»

Por sua vez, aliás pode ser considerado um advérbio de retificação numa frase como (2):

(2) «Ele escreveu cinco, aliás seis livros.»

Por fim, sobretudo pode ser considerado um advérbio de intensidade em frases como (3):

(3) «Ele gosta sobretudo de romances.»

 

1. Cf. Bechara, Moderna Gramática Portuguesa. Ed. Lucerna, p. 244. Note-se que Bechara segue maioritariamente a Nomenclatura Gramatical Brasileira, mas propõe algumas subclasses que esta nomenclatura não considera, como os advérbios de inclusão, de exclusão, de situação, de retificação, de designação, de realce, de explicação e expletivo (cf. Id., ibid., 245-246).

48 expressões e palavras nos 48 anos do 25 de Abril
Modas, modismos, neologismos e incorreções mediáticas

Assinalando os  48 anos do 25 de Abril em Portugal, a professora Carla Marques apresenta 48 palavras e expressões que caracterizam a língua na atualidade, porque a forma como se fala «como outros produtos humanos, não fica indiferente a esta ação do tempo e também ela é permeável às alterações e acompanha os novos tempos abrindo espaço a muitos fenómenos que a alteram, tanto no sentido positivo como no negativo.»

Pergunta:

Na frase «Elas eram tratadas como amigas», «amigas» pode ser considerado um adjetivo?

Resposta:

Na frase em questão, a classificação da palavra amigas é ambígua, sendo possíveis argumentos para a classificar como nome ou como adjetivo.

A frase aqui transcrita em (1) é uma frase passiva que inclui uma construção de predicação secundária que fica mais saliente quando se coloca a frase na forma ativa (2):

(1) «Elas eram tratadas como amigas.»

(2) «(X) tratava-as como amigas.»

Na frase (2), o constituinte «como amigas» desempenha a função sintática de predicativo do complemento direto incidindo sobre o complemento direto (função desempenhada pelo pronome as).  No interior deste constituinte, amigas pode ser visto como um nome, o que pode ser comprovado por comportamentos como:

(i) o facto de se poder considerar que amigas denota uma classe de indivíduos (denotação típica do nome);

(ii) a possibilidade de ser modificado por adjetivo, por oração subordinada adjetiva relativa ou por sintagma preposicional:

(2a) «(X) tratava-as como amigas íntimas.»

(2b) «(X) tratava-as como as amigas que todos gostariam de ter.»

(2c) «(X) tratava-as como amigas do coração.»

Não obstante, será também plausível considerar que amigas denota uma propriedade do pronome as, sendo, portanto, um adjetivo. Nesta interpretação, a palavra é, como muitos adjetivos, graduável, sendo compatível com um advérbio de grau:

(2d) «(X) tratava-as como muito amigas.»

Disponha sempre!

Pergunta:

Entendo a diferença entre seu e dele, mas fico muito confuso na utilização de um ou de outro, no sentido em que acabo por usá-los no mesmo texto, por vezes na mesma frase. É isto correto?

Poderei referir-me no mesmo texto a uma mesma pessoa por vezes com dele, por vezes com seu, conforme me soar melhor?

Por exemplo, posso dizer em determinado passo «Um carro excelente, o dele» e mais à frente «anotou no seu diário», referindo-se estes passos à mesma pessoa? É que neste caso soa-me mesmo melhor o «dele» no primeiro caso, e o «seu» no segundo. É isto aceitável?

Obrigado.

Resposta:

As construções apresentadas são aceitáveis e a sua ocorrência num mesmo texto também é possível.   

Seu é um pronome ou demonstrativo possessivo, enquanto dele é um sintagma preposicional resultante da contração da preposição de com o pronome pessoal ele. Embora pertencentes a classes diferentes seu e dele expressam um valor de posse equivalente, pelo que podem ser usados nos mesmos contextos, ainda que dele possa ser sentido como uma forma mais oralizante.

Repare-se, no entanto, que o uso do sintagma dele será preferível nas circunstância em que a presença de seu gera ambiguidade entre a 3.ª e a 2.ª pessoa do singular, como acontece em (1):

(1) «Ele passou-me o seu livro.» (Refere-se o livro dele ou o livro da pessoa a quem trato por você ou por senhor?)

Assim sendo, terá o consulente de verificar se no seu texto se verifica esta ambiguidade gerada pelo uso do possessivo seu, podendo recorrer a dele para a desfazer.

Disponha sempre!

Pergunta:

Recentemente li a seguinte expressão: «Trazemos sempre muita coisa de Itália.»

A minha dúvida refere-se a julgar que, em vez de «usar muita coisa», deveria ler-se «usar muitas coisas».

Resposta:

Não encontrámos uma regra que esclareça de forma normativa se se deve preferir «muitas coisas» à expressão «muita coisa».

Note-se que, mesmo entre os gramáticos, se verifica uma oscilação nos usos. Por exemplo, Napoleão Mendes de Almeida, na Gramática Metódica da Língua Portuguesa, usa, em diversas ocasiões, a expressão no singular. Evanildo Bechara, por seu turno, na Moderna Gramática Portuguesa, usa-a no plural.

Parece que estamos, portanto, perante um caso em que as expressões são usadas como equivalentes.

Não obstante, para os usos relacionados com muito, poderemos seguir as indicações de Edite Prada (nesta resposta), onde se esclarece que muito ficará no singular quando acompanha nomes coletivos («muita gente») e irá para o plural com os restantes nomes comuns («muitas coisas»).

Disponha sempre!