Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Num livro que li recentemente, aparecia o seguinte diálogo:

«As águas já entraram – gritou Smugs – Voltemos para trás e refugiemo-nos no ponto mais alto. À fé de quem sou, o mar esvazia-se todo para dentro das minas!»

Qual o significado da expressão «À fé de quem sou»? Será equivalente a dizer «Juro por mim»?

Resposta:

A expressão «à fé de quem sou» poderá significar «juro», como refere o consulente. Poderá também ser equivalente a «acreditem no que vos digo», «é certo que» ou «por minha honra», como se verifica na frase (1):

(1) «mas também juro à fé de quem sou: não será ele que se goze de ti» (Aquilino Ribeiro, O Malhadinhas, Bertrand, 201)

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1. Citado por Énio Ramalho, Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa, Porto, Livraria Chardron de Lello e Irmão – Editores, 1985.

Pergunta:

Agradecia a vossa ajuda na identificação da modalidade da frase: «Mas a grande vantagem do livro e da leitura está na demonstração da imperfeição humana.»

Será modalidade apreciativa ou epistémica com valor de certeza. Porquê?

Muito obrigada.

Resposta:

Podemos considerar que a frase apresentada configura o recurso à modalidade apreciativa.

A modalidade apreciativa apresenta uma apreciação ou um juízo de valor do locutor relativamente ao conteúdo do seu enunciado. Assim, na frase em apreciação, poderemos considerar que existe uma asserção de base, aqui formulada em (1):

(1) «O livro e a leitura demonstram a imperfeição humana.»

Assumindo que esta situação foi dada como verdadeira num momento anterior ao ato de fala apresentado (ou que poderá ser validada no momento da fala), o segmento «a grande vantagem» corresponde a um juízo de valor positivo do locutor sobre o enunciado proposto em (1). Por essa razão, é aceitável considerar que a frase transcrita em (2) apresenta a modalidade apreciativa:

(2) «A grande vantagem do livro e da leitura está na demonstração da imperfeição humana.»

Disponha sempre!

Negociação
Do ato mercantil ao diálogo

Crónica da professora Carla Marques dedicada à palavra negociação, no âmbito das difíceis negociações entre a Ucrânia e a Rússia, no contexto da guerra entre estes dois países, explora-se uma palavra fulcral, cujos primeiros sentidos se desenvolvem no âmbito mercantil para depois evoluírem para o plano da comunicação. 

Pergunta:

Gostaria, se possível, que dissertassem um pouco sobre o predicativo do sujeito na seguinte frase «Esse bolo é para mim».

Sabendo que o predicativo é uma característica do sujeito, como defender a ideia de que «para mim» é uma característica de «esse bolo».

Certo do auxílio, agradeço.

Resposta:

O verbo copulativo pode combinar-se com predicações de várias naturezas: de base nominal (1), de base adjetival (2), sintagma preposicional (3) ou sintagma adverbial (4):

(1) «O João é um homem forte.»

(2) «O João é simpático.»

(3) «O João é do Porto.»

(4) «O João está bem.»

Os verbos copulativos permitem atribuir uma propriedade ao sujeito ou descrever um estado do sujeito1.Quando uma preposição é usada para introduzir o predicativo do sujeito, esta representa a relação que as duas entidades (sujeito e predicativo) mantêm entre si2. Neste âmbito, a preposição para, que nos interessa em particular, é usada «em constituintes com o papel temático de beneficiário, que representam um indivíduo (ou um grupo) que tem algo a ganhar ou a perder com o evento representado na frase»3.

Assim, se prestarmos atenção à frase apresentada pela consulente, aqui transcrita em (5), veremos que se trata de uma frase copulativa, na qual se atribui uma propriedade ao sintagma nominal «esse bolo»:

(5) «Esse bolo é para mim.»

O constituinte preposicional «para mim» assinala o beneficiário da situação e, tratando-se de uma construção copulativa, é associado ao sujeito como uma propriedade (transitória) sua.

Disponha sempre!

  

1. Raposo in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1304

2. Raposo in id., Ibid., p. 359

3. Raposo e ...

Pergunta:

A palavra fogo tem muitos sentidos, um deles exprime espanto, desapontamento, dor, indignação, etc.

Podia ajudar-me criar uma frase ou descrever uma situação sobre este significado?

Obrigada!

Resposta:

Com efeito, a palavra fogo pode ser usada como interjeição, em contextos informais, com a intenção de exprimir espanto, desapontamento, dor, indignação. Note-se que será pelo contexto que estes sentidos serão ativados. Eis alguns exemplos:

(1) «Este monumento é enorme. Fogo!» (expressão de espanto)

(2) «O Rui não veio. Fogo!» (expressão de desapontamento)

(3) «Queimei-me no lume! Fogo!» (expressão de dor)

(4) «O António ficou com os bilhetes para ele. Fogo!» (expressão de indignação ou de desapontamento)

A este propósito, leia-se também esta resposta.

Disponha sempre!

 

CfFogo de santelmo