Bárbara Nadais Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Bárbara Nadais Gama
Bárbara Nadais Gama
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Licenciada em Ensino de Português Língua Estrangeira, mestre em Português Língua Segunda/Língua Estrangeira pela Universidade do Porto e doutoranda em Didática de Línguas. Foi professora de Português no curso de Direito da Universidade Nacional Timor Lorosae- UNTL, no ano letivo de 2011-2012.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual o significado de mezungueiro, que encontro num conto de Mia Couto? E já agora de chamboco.

Resposta:

O Dicionário da Língua Portuguesa, da Infopédia, regista mezungo com a indicação de se tratar de um «indivíduo branco» e ter origem em mzungu, palavra do nianja, que é uma das línguas de Moçambique.1 No conto de Mia Couto O embondeiro que sonhava pássaros (no volume Cada homem é uma raça), utiliza-se o termo para caracterizar o vestuário do vendedor, «fato mezungueiro», um fato característico dos brancos.

Já sobre o termo chamboco, que tem origem numa palavra pertencente ao dialeto niungue («dialeto do grupo sena falado pelos Niungues, grupo de povos centrados em Tete e na bacia inferior do Zambeze, em Moçambique», Dicionário da Língua Portuguesa, Infopédia) – xambo («pau») –, o mesmo dicionário atribui-lhe os seguintes significados: «cacete com que se bate; varapau; vara flexível com que se bate; vergasta; chicote, por vezes com pontas de borracha; açoite; palmatória».

1 O nianja é também conhecido como cinianja. Ambos os termos significam «língua banta aglutinante, falada em Moçambique, no Maláui e na Zâmbia» (Dicionário Houaiss). A forma cinianja tem origem em «cinyanja ci-, designativo da língua de um povo (ou de sua maneira de ser), + nyanja "(habitantes das proximidades do) lago (Niassa)", literalmente "língua do povo nianja"» (idem). Os nianjas são um povo que habita no norte de Moçambique, no Maláui e na Zâmbia (idem).

Pergunta:

Qual é (ou quais são) o(s) aumentativo(s) de gaveta?

Resposta:

O Dicionário Eletrônico Houaiss regista gavetão («gaveta de grande tamanho» e, em engenharia mecânica, «o mesmo que gaveta») como o termo aumentativo de gaveta («gaveta + -ão»). Note-se que este aumentativo pode empregar-se com sentido próprio, quando significa «compartimento idêntico a uma gaveta de móvel, encaixado numa parede, destinado a guardar uma ossada, nos cemitérios» e «prateleira de jazigo».

Pergunta:

A frase «sendo assim, convidamo-lo a preencher a ficha anexa para podermos realizar a sua inscrição» está correta, ou não?

É correto usar «Sendo assim, o convidamos a preencher a ficha anexa para podermos realizar a sua inscrição»?

Resposta:

A primeira frase apresentada está correta. No português europeu, a posição lógica, normal, do pronome átono objeto direto ou indireto do verbo é a ênclise:

«Agarraram-na conseguindo, a muito custo, arrastá-la do quarto.»

«Na segunda-feira, ao ir ao Morenal, parecera-lhe sentir pelas costas risinhos a escarnecê-la

Contudo, no português do Brasil, a norma reconhece o uso generalizado da próclise, ou seja, da colocação do pronome antes do verbo. Assim, a segunda frase que apresenta é aceitável na variante do português brasileiro.  

Podem-se considerar como características do português do Brasil e, também, do português falado nas repúblicas africanas:

a) a possibilidade de se iniciarem frases com tais pronomes, especialmente com a forma me:

«Me desculpe se falei demais.»

b) a preferência pela próclise nas orações absolutas, principais e coordenadas não iniciadas por palavra que exija ou aconselhe tal colocação:

«Se Vossa Reverendíssima me permite, eu me sento na rede.»

«A sua prima Júlia, do Golungo, lhe mandou um cacho de bananas.»

c) a próclise ao verbo principal nas locuções verbais:

«Não, não sabes e não posso te dizer mais, já não me ouves.»

«Tudo ia se escurecendo.»

Pergunta:

Qual a pronúncia correta da palavra Apocalipse: "pó", ou "pu"? Será que me podem esclarecer sobre esta matéria?

Muito obrigada.

Resposta:

O Dicionário da Língua Portuguesa, da Infopédia, como se pode comprovar pela indicação fonética, apresenta a pronúncia "apòcalipse", com o semiaberto: [ɐpɔkaˈlips(ə)]. Este timbre é também confirmado pelo Vocabulário Ortográfico do Português, cuja transcrição fonética também mostra um o semiaberto (símbolo fonético [ɔ]). Note-se que a palavra pode ser usada quer como nome comum quer como nome próprio (neste caso, é designação do último livro do Novo Testamento).

Pergunta:

Não consigo encontrar um significado objetivo da expressão «a formiga tem catarro» para relacionar com o fim de vida de Tenório (Bichos, Miguel Torga).

Poderiam dizer-me o seu significado, por favor?

Resposta:

Transcrevemos a definição dada por António Nogueira Santos, em Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas (Lisboa, Sá da Costa, 1988), da expressão «a formiga tem catarro»:

«Diz-se de pessoa (geralmente criança ou jovem) que tem pretensões superiores à sua idade, estado condição.»

É de facto o que se passa com o galo mais jovem que sucede a Tenório, que, depois de cantar ao amanhecer «um canto tão cristalino e tão puro», surpreende todos, inclusive o seu pai, que até então era o galo que apresentava melhores qualidades (Os Bichos, de Miguel Torga, pp. 33-28).