Bárbara Nadais Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Bárbara Nadais Gama
Bárbara Nadais Gama
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Licenciada em Ensino de Português Língua Estrangeira, mestre em Português Língua Segunda/Língua Estrangeira pela Universidade do Porto e doutoranda em Didática de Línguas. Foi professora de Português no curso de Direito da Universidade Nacional Timor Lorosae- UNTL, no ano letivo de 2011-2012.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «os cavalos comeram poucas peras», poucas é advérbio de quantidade, ou é um quantificador?

Resposta:

Na frase apresentada pela consulente, a forma poucas é quantificador existencial. O Dicionário Terminológico considera que o quantificador existencial é «utilizado para asserir a existência da entidade designada pelo nome com que se combina sem remeter para a totalidade dos elementos de um conjunto (i) ou para expressar uma quantidade não precisa (ii) ou relativa a um valor considerado como ponto de referência (iii)». São quantificadores existenciais: algum/alguns, bastante(s), pouco(s), tanto(s), vários/várias.

(i) «Alguns alunos faltaram ao teste» (do conjunto de alunos considerados só uma parte faltou ao teste).

(ii) «Vários alunos faltaram ao teste» (uma quantidade não precisa de alunos faltou ao teste).

(iii) «Muitos alunos faltaram ao teste» (o número de alunos que faltou ao teste é superior à quantidade média).

Contudo, este quantificador (pouco) também poderá ser usado como advérbio quando desempenha a função de modificador verbal («agradar pouco»), adverbial («pouco longe») ou adjetival («pouco estimulante»).

Pergunta:

O nome sing. afia tem plural afias, ou, pelo facto de ser uma abreviatura de afia-lápis, mantém-se uniforme quanto ao número (= o afia/os afia)?

Resposta:

A palavra afia é uma redução de afia-lápis, que é o mesmo que apara-lápis, afiadeira ou aguça e tem o plural afias.  

A forma afia-lápis, que é a forma dicionarizada e aceite pela norma-padrão, apresenta o plural de acordo com este tipo de composto morfossintático (verbo + nome), ou seja, igual ao singular afia-lápis, à semelhança de apara-lápis (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa).

O caso que a consulente apresenta parece estar vulnerável à variação regional e até mesmo a uma conotação com uma certa faixa etária no meio escolar, o que acaba por revelar uma grande margem de inovação e variação de vocábulos: o afia/os afias; o afia-lápis/os afia-lápis; o apara/os aparas; o apara-lápis/os apara-lápis; a afiadeira/as afiadeiras; o aguça/os aguças.

Pergunta:

Qual o significado e a origem da palavra jornaleiro?

Resposta:

Sobre o significado de jornaleiro, o Dicionário Eletrônico Houaiss diz tratar-se de um adjetivo que se refere àquilo «que se faz dia a dia», àquilo que é «diário». A palavra também se usa como substantivo masculino e adjetivo quando designa «[um] trabalhador a quem se paga jornal» ou aquilo que se relaciona com este tipo de trabalhador. Em relação à formação do vocábulo, trata-se de um derivado sufixal (jornal + -eiro), cuja base é o substantivo jornal, sinónimo de jorna, «salário diário», e que se atesta desde o século XIV (idem). Sobre a etimologia de jornaleiro, José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, acrescenta: «De jornal. Em 1223: "quem jornaleiro alheo matar seu amo aja ho mezio", Leges, p. 595.» De notar que jornaleiro também se usa com o significado de «vendedor de jornais», sendo um derivado de jornal, no sentido de «publicação diária» (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a palavra que deu origem à palavra única. É um, ou uno?

Desde já, obrigada.

Resposta:

As palavras único e única têm origem erudita, no latim, e não são vocábulos que se tenham formado em português. Provêm «do latim unicus, a, um, "único, singular, exímio, notável; raro; querido, benquisto", derivado de unus, a, um, "um, uma"» (Dicionário Eletrônico Houaiss).

Pergunta:

No momento, no Brasil, estamos assistindo a mais uma novela global. Trata-se de Império. Nela, o ator Alexandre Nero é chamado por Comendador (condecoração honorífica). Minha dúvida cruel é como deveríamos chamar a atriz Lilia Cabral que atua como Maria Marta, ainda e oficialmente sua mulher: "comendadora", "comentadeira", ou "comendatriz"? A pergunta decorre de saber que no século XIX, no Brasil (não sei se também em Portugal), chamava-se senatriz a mulher de senador.

Resposta:

Nas fontes de que dispomos, não encontramos termo que designe especificamente a mulher de um comendador. Por exemplo, o Dicionário Eletrônico Houaiss regista os substantivos comendadeira e comendadora como femininos de comendador. Comendadeira tem entrada própria e significa não «mulher do comendador» mas «mulher titular de uma comenda honorífica» e «religiosa de convento que tinha comenda (´benefício´) ou herdade» (ibidem).

Já no que respeita a senador, a mesma fonte apresenta senatriz e senadora como as respetivas formas do género feminino, porém este dicionário, elaborado no Brasil, distingue senadora («mulher eleita ou designada para exercer funções legislativas em um senado») de senatriz («mulher de senador»). Por outro lado, a avaliar por um dicionário publicado em Portugal, o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, essa distinção não parece tão nítida no português europeu, uma vez que se diz que senatriz ou senadora são simultaneamente «mulher que faz parte de um senado; senadora» e «mulher do senador»1. No entanto, dado o caso de embaixadora, que se especializou como o mesmo que «chefe do corpo diplomático de um país junto de outro», parece de prever que, por analogia, senadora possa designar também em Portugal uma mulher que foi eleita ou designada para ocupar um lugar num senado, enquanto senatriz se reserva apenas para fazer referência à mulher de um senador.

1 Ambas as pal...