Ana Martins - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Ana Martins
Ana Martins
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e licenciada em Línguas Modernas – Estudos Anglo-Americanos, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Mestra e doutora em Linguística Portuguesa, desenvolveu projeto de pós-doutoramento em aquisição de L2 dedicado ao estudo de processos de retextualização para fins de produção de materiais de ensino em PL2 – tais como  A Textualização da Viagem: Relato vs. Enunciação, Uma Abordagem Enunciativa (2010), Gramática Aplicada - Língua Portuguesa – 3.º Ciclo do Ensino Básico (2011) e de versões adaptadas de clássicos da literatura portuguesa para aprendentes de Português-Língua Estrangeira.Também é autora de adaptações de obras literárias portuguesas para estrangeiros: Amor de Perdição, PeregrinaçãoA Cidade e as Serras. É ainda autora da coleção Contos com Nível, um conjunto de volumes de contos originais, cada um destinado a um nível de proficiência. Consultora do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa e responsável da Ciberescola da Língua Portuguesa

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«Vou tentar informar-me e talvez nos encontraremos num desses campos em Agosto. Seria ótimo, não achas? Havíamos de convencer os nossos pais.»

Está correto o uso do pretérito imperfeito do verbo haver neste trecho de um correio?

Resposta:

Não é correto o uso do pretérito imperfeito do indicativo havíamos, uma vez que, nessa sequência frásica, há projeção no futuro das acções expressas. Ao optar pelo imperfeito, o locutor estaria a «denotar um facto que seria consequência certa e imediata de outro, que não ocorreu» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 451).

Também não é correto o uso do indicativo em encontraremos, pois o advérbio modal talvez em posição pré-verbal obriga a que o verbo esteja no modo conjuntivo.

A sequência frásica corrigida fica assim:

«Vou tentar informar-me e talvez nos encontremos/venhamos a encontrar num desses campos em agosto. Seria ótimo, não achas? Havemos de convencer os nossos pais.»

Pergunta:

Gostaria de saber em que subclasse do adjetivo se pode incluir a palavra dourado. Parece pertencer aos relacionais, mas há quem julgue tratar-se de um adjetivo qualificativo.

Resposta:

Apenas se pode atribuir uma classificação (sintática, morfológica ou semântica) se conhecermos o seu contexto imediato (pelo menos).

Vamos considerar, por isso:
a) «bacalhau dourado» (num cardápio)
b) «amarelo-dourado»
c) «medalha dourada»

Em a), dourado é um adjetivo relacional (apesar de não ser um denominal), dado que não pode pode ocorrer em posição predicativa (*«o bacalhau é dourada») nem pode variar em grau (*«o bacalhau é muito dourado»).

Em b), dourado não é palavra, é forma de base de um nome composto.

Em c), é adjetivo designativo de cor, ou seja, nem qualificativo, nem relacional (cf. Mateus et al., 2003 – Gramática da Língua Portuguesa, Caminho, pp. 377-379).

Pergunta:

Gostaria de saber se o adjetivo paternos («avós paternos») é um adjectivo qualificativo, ou relacional.

Resposta:

Paterno é adjetivo relacional:

1 – é complemento do nome a que está associado e desempenha relação de posse:

    «o poder paterno»; «a casa paterna»;

2 – só pode ocorrer em posição pós-nominal:

    «o paterno poder» (incorreto); *«a paterna casa»

3 – não pode apresentar formas de grau:

    *«o poder paternalíssimo».


Pergunta:

Queria saber se a frase seguinte pode ser considerada verdadeira: Os adjetivos isolado, urgentes, falso, ligeira e monumental são todos qualificativos.

Penso que não, pois, monumental pertencerá aos adjetivos relacionais, não varia em grau e ocupa posição pós-nominal.

Resposta:

Monumental é adjetivo qualificativo porque, apesar de denominal e de não variar em grau*:

1 – ocorre em posição predicativa:

    «O relógio é monumental.»

2 – pode ocorrer em frases exclamativas:

    «Foi uma assobiadela monumental!»

3 – pode ocupar posição pré-nominal:

    «Uma monumental assobiadela»; «uma monumental lavagem ao cérebro».

 

* Ver Graça Rio-Torto, Para uma gramática do adjectivo.

Pergunta:

Estou a preparar um exercício para o 3.º ciclo sobre adjetivos relacionais e surgiu-me a dúvida: nas expressões «exercício físico» e «ritmos cardíacos», como é que justifico aos alunos o facto de os adjetivos físico e cardíacos serem relacionais?

Resposta:

Os adjetivos físico e cardíacos são relacionais porque:

1 – não ocorrem em posição pré-nominal;

2 – não ocorrem em posição predicativa;

3 – não são graduáveis;

4 – são complementos do nome a que estão associados;

5 – não têm antónimos.