Ana Carina Prokopyshyn - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Ana Carina Prokopyshyn
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Ana Carina Prokopyshyn (Portugal, 1981), licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (2006) e mestre em Linguística Geral pela FLUL (2010). Desde 2010 frequenta o doutoramento em História Contemporânea (Lusófona e Eslava). Participou com comunicações e a nível da organização em várias conferências internacionais, e presta serviços em várias instituições como professora de Português para estrangeiros, tradutora e revisora. Atualmente é leitora de Língua e Cultura Russa I e II na mesma universidade e investigadora no Centro de Línguas e Culturas Lusófonas e Europeias. Colabora como consultora de língua Portuguesa no Ciberdúvidas desde 2008.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual o significado da penúltima estrofe do poema Que Fizeste das Palavras, de Eugénio de Andrade? «E das consoantes, que lhes dirás?/ardendo entre o fulgor/das laranjas e do sol dos cavalos?»

Obrigada.

Resposta:

Este poema revela a veia artística do poeta, o sentido de cada verso é metafórico e não poderá ser explicado sem uma análise aprofundada do poema na sua íntegra, algo que não nos compete aqui. Mesmo que fosse da nossa competência, o que apresentaríamos seria apenas uma das muitas análises, interpretações ou críticas a que um poema está sujeito, dado o seu teor literário.

Podemos apenas adiantar que no poema existe uma clara dicotomia, realizada pelo sujeito do enunciado através da comparação entre as vogais e as consoantes, sendo que as primeiras representam «um azul tão apaziguado», e as segundas ardem «entre o fulgor/das laranjas e do sol dos cavalos». Ora, é clara a distinção entre as cores quentes (laranja) e as cores frias (azul), ou entre os elementos fracos («apaziguado») e os elementos fortes («fulgor/sol dos cavalos)». A tais elementos são comparadas, por oposição, as vogais e as consoantes, opostos que se unem e formam um todo: as palavras.

Note-se que isto é apenas uma possível leitura, e a mesma pode estender-se a uma análise mais detalhada, convergente, ou mesmo divergente, desde que devidamente fundamentada.

Esperamos ter ajudado.
Sempre ao dispor.

Pergunta:

Por qual das duas formas será mais aconselhável optar em português? Camaleão, ou pigmalião?

Obrigada.

Resposta:

Não sei se entendemos bem a questão, pois não vemos como as palavras podem ser usadas no mesmo contexto. Como também não sabemos qual é o contexto, ficamos sem poder indicar por qual das formas se deverá optar.

Deixamos abaixo o significado de cada uma delas:

Pigmalião: «antr. Pigmalião < gr. Pugmalíōn,ōnos (rei de Chipre e escultor lendário), lat. Pygmalĭon,ōnis sob a f. rad. pigmalion- + -ismo; conta a lenda que Pigmalião se apaixonou por uma estátua (esculpida por ele mesmo, segundo Ovídio) e pediu a Afrodite que lhe desse uma mulher parecida com a estátua; a deusa foi além do pedido, pois deu vida à própria estátua, e Pigmalião casou-se com a mulher criada dessa forma.»

Camaleão: «Rubrica: herpetologia. Design. comum aos lagartos, da fam. dos camaleontídeos, arborícolas, encontrados na Europa, Ásia e principalmente África; de cor verde ou vermelha, que pode ser alterada rapidamente, pés zigodátilos, língua longa e pegajosa e olhos de movimentos independentes; cameleão, do lat. chamaelĕon,ōnis e ontis 'camaleão', der. do gr. chamailéōn,ontos 'leão anão, camaleão'; f. hist. 1525 chammaleon, 1532 camaliã, 1532 camaliam, c1543 camaleão, 1563 camelião

Fontes:
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa

Pergunta:

Tenho visto na televisão no fim dos programas a seguinte frase: «Este programa teve ajuda à produção de: [seguindo-se o nome dos diferentes patrocinadores].» Gostaria que me esclarecessem, pois na minha opinião deveria ser «teve ajuda "na" produção» e «não "à" produção».

Obrigada.

Resposta:

A observação do consulente tem toda a pertinência, visto o substantivo ajuda não reger a preposição a. Contudo, ainda com a alteração proposta, a frase continua com problemas. Vejamos:

i.? «Este programa teve ajuda na produção de [nome dos patrocinadores].»

A alteração, tal como apresentada, não parece resolver o problema, ou, pelo menos, não obtém a interpretação pretendida, dá a entender que «se produziram patrocinadores». Por conseguinte, sugerimos a seguinte correcção:

ii. «Este programa teve a ajuda de [nome dos patrocinadores] na sua produção

Outra possibilidade será esta:

iii. «Na sua produção, este programa teve a ajuda de [nome dos patrocinadores].»

Ou ainda,

iv. «Este programa, na sua produção, teve a ajuda de [nome dos patrocinadores].»


Sempre ao dispor.

Pergunta:

Agradeço a vossa resposta. Aproveito este momento para louvar o trabalho que têm feito, esclarecimento de dúvidas de forma muito clara, e o contributo que têm dado para a boa prática da língua portuguesa.

Queria que me explicassem porque é que Carnaval da Vitória é uma personagem [da novela Quem Me Dera Ser Onda, de Manuel Rui], porque no seio dos professores há duas posições. Uns acham que é personagem, e outros defendem que ele não pode ser personagem porque os animais só podem ser personagens nas fábulas.

Muito obrigada pela atenção.

Resposta:

A crítica literária está, realmente, dividida, mas não nos cabe a nós dar razão a uma ou outra análise. A teorização do conceito de personagem vem já de Aristóteles, mas até aos dias de hoje o conceito e a sua aplicação têm vindo a desenvolver-se, e, apesar de não nos podermos cingir ao conceito aristotélico mais básico de personagem, como mimésis congénita, este conceito existe, e é correctamente defendido por muitos teóricos. Já o argumento em que se sublinha que apenas nas fábulas os animais podem ser personagens também não é decisivo para avaliar o papel de Carnaval da Vitória em Quem Me Dera Ser Onda (1982), pois a novela está escrita à semelhança de uma fábula, no sentido em que, sem dúvida alguma, o elemento central e alegórico é o porco. Mas estender esta análise foge ao que nos diz respeito.

Podemos concluir que ambas as posições que consideram ou não Carnaval da Vitória uma personagem são legítimas, desde que devidamente fundamentadas. Contudo, podemos apontar que, na opinião do autor, Manuel Rui, que tenho a maior honra em conhecer pessoalmente, Carnaval da Vitória é uma personagem, e isto pode (ou não) servir de argumento para desequilibrar a balança.

A opinião de Manuel Rui está mesmo registada numa entrevista feita por Marta de Oliveira, da qual retirámos e transcrevemos abaixo a parte mais relevante para esta questão:

« O riso, a caricatura, a ironia, o humor e até o grotesco estão ao serviço da crítica da sociedade. Considera-os a catarse da sua narrativa?

MR: Não. Olha, primeiro o problema da sátira. O Manuel Ferreira escreveu sobre isso. Dizendo que, logo no primeiro livro, Regresso Adiado é uma escrita chaplinesca. Desta form...

Pergunta:

Por meio da derivação regressiva, originam-se os nomes deverbais: buscar => busca, apelar => apelo; vender => venda, debater => debate; seduzir => sedução, seguir => seguimento. Nos exemplos dados, temos verbos da 1.ª, 2.ª e 3.ª conjugações, a partir dos quais foram criados substantivos de gêneros distintos («a busca», «o apelo», etc).

Minha pergunta: de que forma se define o gênero da palavra a ser formada? Seria convencional?

Em tempo, gostaria de saber o que é uma “banda desenhada”?

Obrigado e tudo de melhor sempre!

Resposta:

Infelizmente não há regra para a definição do género de um nome deverbal por derivação regressiva. As gramáticas contemplam as três vogais de junção, mas não atribuem nenhuma regra de selecção de vogal e, consequentemente, de género. Vejamos, por exemplo, o que nos dizem Cunha e Cintra a este respeito, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (2005:104):

«A DERIVAÇÃO REGRESSIVA tem importância maior na criação dos SUBSTANTIVOS DEVERBAIS ou PÓS-VERBAIS, formados pela junção de uma das vogais -o, -a ou -e ao radical do verbo.

Exemplos:

 

  Verbo     Deverbal     Verbo     Deverbal    Verbo     Deverbal
abalar         abalo
adejar         adejo
afagar         afago
amparar       amparo
apelar          apelo
arrimar         arrimo
chorar          choro
errar            erro
recuar          recuo
sustentar      sustento
amostrar      amostra
aparar         apara
buscar         busca
caçar          caça
censurar      censura
ajudar     &#x...