Já não me recordo bem da hora, bem matinal, em que recebi o telefonema de Emídio Fernando, estava ele de serviço na TSF, com a pior notícia que eu podia receber. Se eu já tinha a informação do falecimento de João Carreira Bom. Faz neste dia precisamente 20 anos – cinco depois da criação do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, só possível graças a ele.
O João, com quem eu fizera equipa na editoria Nacional do Expresso, ficando para sempre como um dos meus amigos de vida, deixara o jornalismo por volta de 1989/1990. Passando para o “outro lado”, como se diz na gíria sobre as agências de comunicação e imagem, numa empresa formada de raiz por ele.
Não obstante a sua larguíssima e qualificada experiência no jornalismo diário – desde O Século à ANOP ¹ –, Vicente Jorge Silva cometeu o erro (e a injustiça) de não o envolver no grupo de jornalistas do Expresso que integraram a fundação do Público. Recusando manter-se no Expresso sob a Direção de José António Saraiva, o João, que tanto amava o jornalismo (e quanto o jornalismo tinha a beneficiar com ele no exercício ativo do jornalismo!), sem outra alternativa, mudou então de atividade profissional. Bem lhe custou essa decisão, na sua “alma” de jornalista!
Um “salto”, é verdade, que lhe deu desafogo financeiro q.b., até para garantir a viabilização de um serviço gratuito e de acesso universal em prol do idioma oficial dos oito países lusófonos. Mas, também, e acima de tudo, conferindo-lhe absoluta credibilidade num setor não propriamente benfazejo... senão para os que pagam para terem boa imagem nos jornais.
Nestes tempos conspurcados pelo que é “plantado” no que passa nos media, mais as fake news e demais desinformação à solta, vale a pena recordar dois episódios de João Carreira Bom que ficam para a história do (bom) jornalismo português.
O primeiro foi contado numa recente e deliciosa crónica de Victor Bandarra.
«Numa campanha dos anos 80, o jornalista João Carreira Bom levanta o braço para fazer uma pergunta numa conferência de Imprensa de um ministro. O governante, que havia botado palavrório durante meia-hora, faz um reparo. "Reparei que não tirou um único apontamento do que eu estive a falar!" Comentário histórico de João Carreira Bom. "E o senhor já disse alguma coisa?”»
O segundo episódio ocorreu estava ele de serviço na então ANOP, quando lhe chegaram rumores sobre a queda de um avião no aeroporto de Lisboa. «Ao que parece» – era assim que a informação lhe chegou –, levava a bordo o então primeiro-ministro, Francisco Sá Carneiro. O «ao que parece», como mandam as boas regras do jornalismo, levou o João a não colocar em linha a informação sem a sua confirmação oficial, com um telefonema prévio para a torre de controlo do aeroporto. Foi o tempo demorado para ele e a ANOP terem perdido o que seria uma “caixa” mundial – dada por uma agência estrangeira, em Lisboa, que, mandando às urtigas os preceitos neste tipo de informação, disparou logo o que era, ainda, um mero rumor.
Hoje, quando tudo se notícia, seja verdade ou mentira, sem, sequer o indispensável contraditório quando esteja em causa o bom nome de terceiros, que saudades do jornalismo “à” João Carreira Bom!
¹ Em 1970, João Carreira Bom foi galardoado com o Prémio João Pereira Rosa de reportagem, em conjunto com outros colegas de O Século, em 1981foi-lhe atribuída a menção especial do júri do Prémio "Cabannes", pela Agência France Presse à "Melhor Reportagem Internacional do Ano", de novo um trabalho com outros jornalistas, desta vez da ANOP. O Prémio Gazeta da Crónica, pelo Clube de Jornalistas chegaria em 1993. A partir de 16 de Novembro de 1997, passou a assinar uma crónica às sextas-feiras no Diário de Notícias, a par da sua atividade empresarial na sua agência de comunicação e imagem. Como contista publicou, em 1965, o livro Subgente.
Texto publicado originalmente na página do autor no Facebook, 31 de janeiro de 2022, assinalando os 20 anos do falecimento do jornalista e cofundador do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, João Carreira Bom (1945 – 2002).