Creio que os dez anos do Ciberdúvidas, ainda há pouco celebrados, já permitem ver que a norma evolui de facto. A forma com a vogal fechada, isto é, "coêlho", era — e ainda é — considerada como mais correcta, porque era esse o timbre vocálico mais antigo. No entanto, em muitos dialectos portugueses, há a tendência para ditongar essa vogal como um "âi" antes de uma consoante palatal: "coâilho" (coelho), "tâinho" (tenho), "cervâija" (cerveja), "fâicha" (fecha). Na fala lisboeta, que é tida como padrão (por muito controversa que seja esta perspectiva), o referido ditongo passa outra a vez a vogal, mas desta vez como o primeiro "â" de tâmara; temos assim "coâlho" e "tânho".
Que juízo normativo se pode aqui produzir? Durante muito procurou-se identificar uma única pronúncia correcta para cada palavra. Contudo, a expansão das línguas europeias acarretou a diversidade no espaço e a afirmação de normas locais. Por exemplo, no espaço de língua inglesa, contrapôs-se à norma da corte de Londres a norma criada nos Estados Unidos; no Brasil, nasceu um padrão linguístico que se diferenciava do padrão de Portugal. A consciência destes factos levou também a encarar a variação de outra maneira e a falar em normas locais, respeitando-se mais as características dialectais. Esta situação é notória no domínio da pronúncia, e em países como o Reino Unido já se admitem locutores que, dentro de certos limites, muitas vezes não explícitos, mantêm a pronúncia regional.
Actualmente em Portugal, pode-se dizer com alguma segurança que a pronúncia com e fechado, "coêlho", é a mais marcada, ou seja, é uma pronúncia tida como conservadora e como não característica do padrão linguístico. Mas em 1911, quando se avançou com a reforma ortográfica que procurou dar coerência à escrita do português, seguiram-se critérios etimológicos e de prestígio dialectal que impediram formas como "coailho" e "cervaija" de chegarem à grafia.
Tudo isto não significa que hoje tenhamos de ver a pronúncia mais moderna como um sinal de irremediável decadência da língua, nem que, porque é moderna, a tenhamos de adoptar cegamente. Se a intercompreensão é possível, se toda gente percebe que "coêlho", "coâilho" e "coâlho" são todas maneiras de pronunciar a mesma palavra, qual é a necessidade de escolher apenas uma como correcta? Considero, portanto, que estamos numa fase de transição, e que as três pronúncias de coelho são por enquanto aceitáveis.