A obra Falar(es) Bracarense(s). Janelas da transformação de um espaço rural, de José Teixeira (Edições Húmus, 2021) inscreve-se numa tradição de estudos dialetológicos lançada nos inícios do século XX por J. Leite de Vasconcelos e continuada por Manuel de Paiva Boléo e Lindley Cintra, os quais permitiram a constituição de mapas linguísticos de Portugal com identificação de características linguísticas regionais, mapeando dialetos e falares.
Neste âmbito, o trabalho de José Teixeira vem propor uma abordagem inovadora: a introdução de pesquisa linguística em espaço urbano, desenvolvida na cidade de Braga, opção que o autor justifica defendendo a importância de preservar modos de falar que nos identificam e correm o risco de se perder: «Num mundo cada vez mais global e tendente à unificação cultural, parecerá quixotesco o desejo de agarrar formas de falar presas a épocas e vivências muito diferentes, como as entrevistas que se publicam neste livro espelham. No entanto, todos temos a perceção de que as nossas formas de falar são, ainda hoje, repositórios das vivências e dos falares das gerações que nos antecederam e aceitarmos perder e esquecer tudo o que permitiu construir a nossa identidade tem algumas desvantagens.» (p. 15) Ou, como afirma mais à frente: «Perdermos as palavras que são nossas, da nossa região, é perder um pouco dos testemunhos da nossa forma de viver. As palavras não são só sons arbitrários ligados a significados. Elas representam conceitos, representam a forma como vivemos e como pensamos as nossas inter-relações com as coisas e com os outros. Por isso, o que se diz que a língua é património.» (p. 16)
Em Falar(es) Bracarense(s), podemos encontrar a transcrição da linguagem oral para a modalidade escrita de um conjunto de entrevistas realizadas a falantes na zona urbana de Braga com idades entre os 40 até mais de 80 anos. Trata-se de um conjunto de registos que, de acordo com o autor, «ajudam a compreender a transformação social do espaço rural (espaço físico e humano) em espaço urbano do que é hoje a zona mais urbana de Braga» (p. 18). As entrevistas aqui transcritas (10 entrevistas selecionadas de um conjunto de 90) testemunham a evolução do modo de falar bracarense no campo da pronúncia e nos planos lexical e sintático.
De acordo com os resultados do estudo feito, é sobretudo no domínio do léxico que vamos encontrar os elementos mais importantes para estabelecer as diferenças entre os falares da região bracarense e os de outras regiões. Entre os exemplos, o autor trata com particular atenção o termo cascavelho / cascavelha, usado com valor metafórico para referir uma pessoa jovem ou franzina, ou termos como carolina/carolinas («uma tabuinha do tamanho do pé com uma tira de couro de cerca de 3 cm pregada por cima para prender o pé», p. 214) ou martelões («jovens que já não são crianças, grandes, quase adultos e que se comportam de forma barulhenta e espampanante», p. 215), entre tantas outras palavras/expressões pouco usuais ou que se reinventam em novas significações. As entrevistas recolhidas mostram também a naturalidade da presença das palavras ditas grosseiras e do calão, tanto em homens como em mulheres.
Falar(es) Bracarense(s). Janelas da transformação de um espaço rural, de José Teixeira, é uma obra na qual se encontra a originalidade e a naturalidade da comunicação oral. Uma obra apostada em preservar realidades linguísticas que arriscam desaparecer, ameaçadas que estão pelas formas de falar da «geração mais jovem que vive no espaço bracarense, num espaço globalizado, cosmopolita, com ligações físicas, de deslocação e transporte, de contacto eletrónico instantâneo com todo o globo, [que] talvez nem suspeite de como se coabitava o mesmo espaço, em meados do século XX, por pessoas que ainda conservam as memórias dessa época.» (p. 239)
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