Seleccionemos, ao acaso, a revista “Rotas & Destinos” de Agosto 2006 ( n. º135).
Antes de prosseguirmos, lembremo-nos rapidamente do que é uma revista especializada em matéria de viagens.
Estas publicações têm por objectivo promover a compra de viagens a destinos turísticos. Entende-se por «destino turístico» um lugar onde se desenvolveu uma indústria de férias, uma estrutura comercial que inclui alojamentos, refeições, compras, actividades de lazer e serviços afins.
Este obje(c)tivo é definido nos editoriais por perífrases eufóricas como «estimular o sonho», «despertar a vontade de alargar fronteiras», «conduzir os leitores ao prazer da descoberta».
Há, portanto, afinidades assinaláveis entre o discurso publicitário e o discurso destas revistas. E tal como acontece em qualquer discurso publicitário, aquilo que é apresentado não é apenas um produto com características benéficas para o comprador, mas algo que vai transformar o comprador num ser distinto e singular. O local descrito é um objecto ideológico, na definição de Van Dijk (1995 – “Discourse semantics and ideology”, Discourse and Society, 6, 2: 246): «self-serving truth of a social group».
À luz desta leitura, podemos aceitar a presença insistente de empréstimos nas revistas de turismo/viagens como um meio de internacionalizar e elevar socialmente o produto em divulgação. Porém, os textos em que se verifica a forte carga de empréstimos são textos longos, que se autoclassificam como «reportagens» ou «reportagens turísticas» e, nesta medida, afiguram-se, não como um registo discursivo especial – como o que de fa(c)to é a(c)tivado na publicidade –, mas como um registo geral. E é neste ponto que a euforia dos empréstimos pode colidir com a norma da língua.
Exemplifico então essa euforia de empréstimos com a “Rotas & Destinos”, n.º 135. Os exemplos listados são retirados apenas de textos que descrevem espaços portugueses: Lisboa, Aveiro, Minho, Açores. Deixemos de lado os “spas” (deixou-se de «fazer termas»), os “jacuzzis” e os “resorts” e ainda ficaremos com:
“beautiful people” (p.10)
“vintage” (p.35)
“hip” (p.35)
“house”(p.36)
“Chef” (p.36)
“spots” (p.36)
“snowboard” (p.42)
“gourmet” (p.42)
“outdoor” (p.42)
“wireless” (p.43)
“amenities” (p.43)
“rafting” (p.43)
“nouvelle vague” (p.47)
“mise-en-scène” (p.54)
“vintage” (p.55)
« bus » (p.56)
« charme » (p. 56)
“brunch” (p. 59)
“mood” (p.88)
“dolce far niente” (p.92)
“whale watching” (p.100)
“briefing” (p. 100)
“skipper” (p. 102)
Há ocorrências duvidosas:
“glamourosa”, no editorial, página 10, (sobre “glamoroso” ver http://ciberduvidas.sapo.pt/php/resposta.php?id=11690&palavras=encontro)
ou
«Linguado com alcachofras e pudim de três legumes ou tamboril estufado com gambas e cogumelos são algumas das suas propostas, empratadas a preceito, pormenor invulgar na região.» (p. 36)
E há também erros, como sejam:
«Ultrapassado este primeiro postal, o ideal é virar à direita, estacionar o carro no parque e descer para as margens do rio Lima, de encontro ao Jardim dos Poetas (…).» (p. 45)
«Basta caminhar um pouco até ao pequeno centro histórico (…) para irmos de encontro a esse passado.” (p.46)
(Sobre «ao/de encontro» ver: http://ciberduvidas.sapo.pt/php/resposta.php?id=2824.)
«Um edifício setecentista cuidadosamente remodelado, que em 1982 foi classificado como Imóvel de Interesse Público, dono de um agradável bar com vista para o rio e um programa cultural bastante activo, camuflando alguns dos sintomas de interioridade.»
(«Dono» não pode ser co-referencial de «um edifício».)
«Começou por ser uma mercearia fina, com espaço para aquilo que de melhor se consome no estrangeiro, e que nunca foi ritual na mesma [?] dos portugueses.»(p.59)
Mas isso não é específico das revistas de viagens.