Pelourinho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Início Português na 1.ª pessoa Pelourinho
Registos críticos de maus usos da língua no espaço público.

Na introdução do concurso da RTP-1 Grandes Portugueses, de 20 de Fevereiro p. p., a apresentadora Maria Elisa disse o seguinte acerca de Fernando Pessoa: «O mundo reconhecê-lo-á como um dos grandes poetas do século XX, traduzido em 37 línguas, tantos quantos os anos que viveu.»

Não é tantos, mas tantas: « (…) traduzido em 37 línguas, tantas quantos os anos que viveu».

 «Tantas» refere-se a «línguas» (não a «anos»): são tantas línguas quantos os anos.

 

«Qualquer homem daria tudo para estar no seu lugar, mas Matt preferia não tê-lo feito1

Estando a construção verbal na negativa, o pronome o deve preceder a forma verbal: «Qualquer homem daria tudo para estar no seu lugar, mas Matt preferia não o ter feito

Exemplos: «Vi-o ontem» ≠ «não o vi ontem»; «dei-lhe o livro» ≠ «não lhe dei o livro»; «preferia levá-lo ao futebol» ≠ «preferia não o levar ao futebol».

1 in jornal 24 Horas de 21 de Fevereiro de 2007 p. p.

«Que é que hoje aprendestes? Lembras-te?», ouviu-se à jornalista da RTP-11, autora de um peça sobre o autismo, em diálogo com uma menina afectada pela doença.

O que a jornalista devia ter dito era «O que é que tu hoje aprendeste?», sem s a terminar a forma verbal, e não esse erro, frequente na linguagem oral, em que os falantes fazem analogia com a 2.ª pessoa do singular da generalidade dos tempos verbais. 

O erro – ou, antes, o desleixo – na grafia dos números ordinais espalhou-se como o óleo despejado por um petroleiro no mar alto. É nos jornais, nas legendas da televisão e do cinema1, em romances de nomeada, até em manuais escolares – e de Português, inclusive. Não se esperava, convenhamos, é que a contaminação atingisse também os organizadores de mais uma edição do Camp...

Uma confusão recorrente

Demais ou de mais? é uma das dúvidas – e confusões – mais frequentes no português corrente, razão, de resto, de permanentes perguntas de quem consulta o Ciberdúvidas. Vejamos esta dúvida de um leitor do jornal 24 Horas1: «Nenhuma vida é demais» ou «Nenhuma vida é de mais»?

«Quem o atacou sabia onde morava e fizeram-lhe uma espera»,  escrevia-se no jornal 24 Horas de 15 de Fevereiro p. p., numa notícia sobre a agressão a um sargento da GNR.

Escrevia-se mal: o sujeito quem leva o verbo para a 3.ª pessoa do singular: «Quem o atacou sabia onde morava e fez-lhe uma espera.»

«Começa agora a desenhar-se os contornos da nova lei: período de reflexão curto, não há aconselhamento obrigatório e esta tónica de que o ministro da Saúde, pelo menos, quer que os abortos sejam feitos, prioritariamente, no Serviço Nacional de Saúde.»

Nesta frase1, o verbo começar deverá ir para a 3.ª pessoa do plural, concordando com o seu sujeito, que está no plural («os contornos da nova lei»): «Começam agora a desenhar-se os contornos da nova lei.»

TVI

«O título provisório da história, que está prevista estrear em Novembro na Globo.»

Errada esta construção.1 Trata-se de uma história, melhor dizendo, de uma «telenovela, cuja estreia está prevista para Novembro, na Globo».

Atordoada = Adormecida, Estonteada, Entontecida, Insensibilizada, Maravilhada, Pasmada

Atoarda = Boato, Rumor, Toada, Galga

O ex-presidente do Benfica João Vale e Azevedo utilizou uma vez, numa entrevista televisiva, a palavra atordoada com o sentido de atoarda e veio mais tarde penitenciar-se pelo erro, mera dislexia pontual no calor da argumentação.

Dar um título a um texto não é tarefa fácil. Se esse texto for um texto de jornal, ainda menos.

O título da notícia balança-se entre duas funções antagónicas: por um lado, deve servir de resumo do texto; por outro, deve esconder parte do seu conteúdo, criando no leitor a necessidade da leitura integral. Neste equilíbrio há um factor que é coadjuvante: a forma gramatical do título, sempre lacunar, ao dispensar artigos, preposições e reduzindo os verbos às formas de presente ou de partic...