A diferença — ignorada recentemente na maior parte dos órgãos de informação portugueses — entre greve e locaute 1, camionistas² e motoristas. E, ainda, o recorrente erro na confusão entre o bilião e o mil milhões. Um artigo do jornalista João Alferes Gonçalves, publicado no Diário do Alentejo do dia 13 de Junho de 2008, na coluna Meios & Fins, sob o título "Greves e banqueiros".
Uma turma inteira de alunos de Iniciação ao Jornalismo, do 11.º ano, conseguiu surpreender-me quando mostrou desconhecer por completo (e por unanimidade) a diferença entre um bancário e um banqueiro. Foi há 25 anos e esse episódio tem-se mantido no topo das histórias picarescas que recordo. Até segunda-feira passada [9 de Junho]. A ignorância daqueles alunos do 11.º ano foi largamente batida pela dos jornalistas que, na imprensa, na rádio e na televisão, mostraram desconhecer a diferença entre camionistas e motoristas e entre greve e "lockout" 1.
Não se tratou de um erro ocasional, por distracção ou nesciência. Durante horas, pivôs repetiram consecutivamente a expressão «greve dos camionistas», mesmo sabendo-se que os sindicatos alertaram os motoristas (os assalariados e não os donos dos camiões) para não darem cobertura ao "lockout"1 patronal.
Por vezes, informações da paralisação dos camionistas e esclarecimentos de sindicalistas coincidiram no mesmo noticiário, mas nem mesmo isso fez vibrar os neurónios de jornalistas que pareciam mais interessados no espectáculo dos camiões parados do que em noticiar com rigor o que estava a acontecer.
Não se coibiram, até, de falar em «piquetes de greve», continuando a evidenciar a sua ignorância sobre a matéria. É que nem sequer poderiam falar de «piquetes de lockout», porque isso é coisa que não existe.
Na greve, os trabalhadores recusam-se a trabalhar e organizam piquetes para esclarecer companheiros que, eventualmente, se apresentem ao trabalho e para impedir a utilização, pelas entidades patronais, de pessoal estranho à empresa e contratado exclusivamente para substituir os trabalhadores em greve. Em certos casos, os piquetes são constituídos para evitar que a entidade patronal retire máquinas ou matérias-primas das instalações da empresa.
No "lockout"1, são as entidades patronais que impedem os trabalhadores de trabalhar, vedando-lhes o acesso ao local de trabalho.
Foi o que se passou com esta paralisação, decidida pelos donos dos camiões, os camionistas, inclusive contra a opinião da sua associação patronal, a ANTRAL, que condenou a medida. Nem isto foi suficiente para merecer uns segundos de reflexão por parte dos jornalistas pouco esclarecidos.
A caracterização exacta do movimento dos camionistas é relevante para a compreensão da sua natureza e para uma avaliação correcta das causas e dos efeitos. Confundir greve com "lockout"1 é, mais do que uma manifestação de ignorância, uma falha técnica grave.
Quem me lê e não se apercebeu do erro poderá pensar que ele existiu em franjas marginais dos "media" [portugueses]. Também aconteceu aí, possivelmente por simpatia, mas onde ele foi repetido descuidadamente foi na Antena 1, na TSF, na RTP-N e na SIC- Notícias. Ou seja, no principal canal de rádio do serviço público e em canais especializados em notícias [de Portugal]. Quando isto acontece a este nível, é caso para perguntar: o que é feito do rigor, da responsabilidade, da seriedade e da credibilidade da informação? Outra pergunta obrigatória: não há nesses canais ninguém que corrija falhas deste calibre?
Os mortos também vêem futebol
Ilustrativo da ligeireza com que se fala ao microfone é o duplo (ou triplo) erro que ouvi durante a transmissão televisiva do Portugal-Turquia. O profissional que estava a acompanhar o jogo afirmou, no mesmo minuto, que as receitas publicitárias do Euro somam «três biliões e 300 milhões de euros» e que os jogos serão vistos por «oito biliões de pessoas» .
É um erro comum confundir os biliões americanos com os mil milhões portugueses, mas o facto de ser comum não lhe diminui a gravidade. Quero, no entanto, chamar a atenção para um pequeno pormenor (é aqui que reside o terceiro erro): a população mundial é de cerca de seis mil milhões de pessoas, o que significa que os dois mil milhões a mais residem nos cemitérios. A menos que o número referido correspondesse à audiência acumulada. Se fosse este o caso, teria de ser mencionado.
1 Locaute, forma já aportuguesada do inglês lockout (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).
² Caminhoneiro [de caminhão] de uso corrente no Brasil. Cf. Associação Brasileira dos Caminhoneiros
Artigo publicado no Diário do Alentejo de 13 de Junho de 2008, sob o título Greves e banqueiros.