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O nosso idioma // Etimologia

Greve: uma palavra do protesto coletivo

Reflexão sobre o seu sentido e história

A proposta de alterações à lei laboral portuguesa anunciada pelo governo português este verão tem sido, ao longo destes meses, alvo de críticas não só por sindicatos, mas por uma parte significativa da sociedade portuguesa. Questões como a alteração aos prazos dos contratos dos trabalhadores, mudanças nos regimes de contratação, banco de horas individual ou até alterações à lei da amamentação são apontadas por sindicalistas e especialista em direito do trabalho como prejudiciais para os trabalhadores portugueses. Para além disso, parece existir uma intransigência por parte do governo em negociar estas medidas com a concertação social, o que levou à convocação de uma greve geral para o dia 11 de dezembro. Toda esta discussão voltou a colocar nas luzes da ribalta a palavra greve, cujo sentido e história merecem reflexão. 

A palavra greve, hoje associada à paralisação organizada de trabalhadores como forma de reivindicação, tem uma origem curiosa e muito concreta. O termo vem do francês grève, que designava originalmente uma praia de areia ou cascalho junto ao rio Sena, em Paris. Mais precisamente, a Place de Grève era uma zona ampla junto ao rio onde se reuniam os operários sem trabalho à espera de contratação. Com o tempo, o nome do lugar passou a ser metonímia da própria situação de falta de emprego. Por conseguinte, «estar em greve» significava «estar sem trabalho». Foi já no século XIX, com o fortalecimento dos movimentos operários e sindicalistas, que o termo evoluiu para o sentido da recusa coletiva de trabalhar como forma de protesto e reivindicação.

O português acolheu esta palavra já com o seu último sentido social e político consolidado. Deste modo, numa pesquisa pelos dicionários da língua portuguesa, como o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, encontra-se a palavra greve com a aceção de suspensão voluntária e organizada da atividade laboral, geralmente para exigir melhores condições de trabalho, salários ou direitos. Neste sentido, a expressão «greve geral» designa uma paralisação que abrange múltiplos setores da economia, assumindo um carácter político e social mais amplo.

Portanto, a palavra greve, como referente a lugar, era entendida como um espaço de encontro e de espera que, com o tempo, se tornou num espaço simbólico de resistência e de luta. Isto mostra como a língua acompanha os movimentos da história, ou seja, como de uma praça de areia parisiense se passou à ideia de mobilização de milhões de trabalhadores. No fundo, a palavra greve carrega consigo tanto a memória da precariedade como a força da reivindicação coletiva.

Resumidamente, chamar greve a um protesto não é mero formalismo, mas o reconhecimento de uma tradição de luta organizada, de reivindicação de direitos e de afirmação coletiva. Por isso mesmo, vale sempre a pena refletir sobre o que dizemos e evocamos quando falamos de «fazer greve».

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa