«(...) O português terá um estatuto sempre de uma língua oficial, de uma língua que se acrescenta a essas, porque constitui uma mais-valia, uma vez que é uma língua que, neste momento, abre caminho para o mundo todo, porque é uma língua em franco crescimento. (...)»
Em entrevista ao jornal timorense Diligente, a diretora-adjunta do mestrado em Ensino de Português no contexto de Timor-Leste, parceria entre a Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) e a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, reflete sobre a diversidade linguística no território timorense e a importância de aprender e promover o idioma de Camões.
Isabel Margarida Duarte é licenciada em Filologia Românica, mestre em Ensino da Língua Portuguesa e doutorada em Linguística. Já desde 2000 que mantém uma estreita relação com Timor-Leste, seja através de deslocações frequentes que faz ao país, seja através dos inúmeros alunos timorenses que recebe na Universidade do Porto.
Na passada segunda-feira (30/01/2024), a professora participou num evento organizado pelo Programa de Pós-graduação e Pesquisa da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), em que se discutiu o ensino do português no mundo. A dinâmica teve lugar no Centro Cultural Português Jorge Sampaio, na Embaixada de Portugal.
Enquanto diretora do mestrado em Português Língua Segunda/Língua Estrangeira na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Isabel elogia a preparação e curiosidade dos jovens timorenses, bem como a sua capacidade de integração.
A também diretora-adjunta do mestrado em Ensino de Português no contexto de Timor-Leste, parceria entre a UNTL e a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, destacou como riqueza o facto de a nação timorense ser multilíngue, «embora seja uma confusão para os timorenses».
Para aumentar a proficiência em português no país, Isabel Duarte defende que haja mais meios de comunicação social no idioma, de modo a que os cidadãos o utilizem e o percebam no dia a dia, já que «aprender português na escola é insuficiente».
A professora é licenciada em Filologia Românica, mestre em ensino da língua portuguesa e doutorada em linguística. O que a levou a transitar por estas áreas?
Quando fiz a minha licenciatura, que já foi há muitos anos, acabei em 1977, era o que havia mais ligado ao português. Filologia Românica era português com francês e depois podíamos escolher, durante o curso, uma outra língua românica, que era o italiano ou o espanhol. No meu caso, escolhi o italiano, porque nós, falando português, conseguimos perceber os espanhóis e, ao contrário também, mas o italiano já não é tão fácil. Portanto, depois fiz estágio e comecei a dar aulas nos ensinos básico e secundário. Nessa altura, achei que fazia sentido fazer o mestrado em Ensino da Língua Portuguesa. Depois, dentro da faculdade, para aprofundar mais os conhecimentos sobre como ensinar português, acho que a linguística faz falta. E é uma paixão, gosto muito.
Como e quando surgiu a sua ligação com Timor-Leste?
A minha primeira ligação com Timor-Leste vem de longe, é uma ligação afetiva. Eu vivi o 25 de abril com 19 anos, e, portanto, vivi muito aquelas primeiras manifestações em que se pedia o fim da guerra colonial e o regresso dos nossos soldados que estavam em África, e em que todos nós, da minha geração, éramos pela descolonização e achávamos que não fazia sentido nenhum a colonização portuguesa.
Portanto, assistimos também a toda a história da ocupação indonésia e àquela parte final vivi-a com muita intensidade. O que se passou a seguir ao referendo foi, para nós, muito forte. Foi, talvez, o único momento da minha vida em que me lembro de uma união completa em Portugal em torno de uma ideia, porque toda a gente vinha para a rua, toda a gente queria que as Nações Unidas interviessem, fizessem qualquer coisa. Até à independência, nós, na fase final, sofremos muito e torcemos muito para que isto corresse bem e para que vocês conseguissem ser independentes.
Em 2001, recebemos um primeiro grupo de estudantes na Universidade do Porto, foi um grupo heroico, esteve lá sete anos sem vir a casa. Foi um grupo que nos marcou muito, porque as pessoas falavam, no geral, muito pouco português, tirando talvez uma pessoa mais velha, mas tinham muita vontade, fizeram licenciaturas, no caso que eu apoiei, de português e inglês. E na altura, nós fizemos tudo o que podíamos para que corresse bem. Demos aulas extra de português, arranjamos tutores que lhes davam aulas extra, porque as pessoas mereciam, eram muito boas. Ficámos sempre muito amigos. Depois, a primeira vez que eu cá vim, não me lembro se foi em 2011 ou 2013, vim com uma bolsa da universidade para a internacionalização.
Enquanto diretora do mestrado em Português Língua Segunda/ Língua Estrangeira na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, recebeu muitos estudantes timorenses. Como é essa experiência? Quais são os principais desafios que estes estudantes enfrentam?
A experiência é muito interessante. Gosto muito deste mestrado, já fui diretora de outros que deixei, mas este, agora não vou deixar até me aposentar, acho eu. Tivemos lá bastantes estudantes timorenses, pois ao longo dos tempos, depois desse primeiro grupo, tivemos várias levas de estudantes timorenses.
Estes últimos que são mais jovens, são francamente mais bem preparados. Falam melhor português e têm outra preparação académica, e outra atitude, são pessoas mais curiosas, que querem conhecer. Alguns deles fizeram mais disciplinas do que as necessárias, porque diziam: «estamos aqui, queremos aproveitar». Integraram-se muito bem com os colegas, as primeiras pessoas que foram também se integraram bem, no entanto, tinham pouca preparação, era mais complicado, falavam muito pior português.
Todos os anos, temos gente de todo o mundo, sobretudo chineses. Nós temos 34 estudantes este ano, 24 são estrangeiros, só 10 é que são portugueses. E desses 24, temos para aí mais de 15 que são chineses. É impressionante. Temos uma menina daqui de Timor-Leste, uma menina de Goa, que está com uma bolsa, uma menina do Vietname, e temos um grupo de brasileiros que também são para aí uns 5 ou 6. No ano passado, tivemos uma ucraniana, tivemos húngaros, moçambicanos, cabo-verdianos, guineenses, enfim. Tem sido assim muito variado.
Sobre os desafios, eu acho que, muitas vezes, é a questão da língua. Quando não têm uma proficiência muito grande em português. Por exemplo, os chineses normalmente sabem muita gramática, escrevem razoavelmente, mas depois não conseguem falar. Então, quando têm de falar é um sofrimento para eles. Decoram as apresentações, porque têm muito boa memória e são muito trabalhadores, mas depois se lhes fizermos uma pergunta, ficam aflitos, porque não conseguem responder.
Quanto aos timorenses em geral, acho que, às vezes, um problema que têm é quando se juntam muito entre eles, por exemplo, vivem juntos ou andam sempre juntos e depois têm tendência para falar tétum entre eles e não português. Por exemplo, o Paulo Henriques [atual formador e tradutor no Centro de Formação Jurídica e Judiciária], quando foi, falava português razoavelmente, mas não era maravilhoso. E foi viver com um rapaz angolano. Foi uma maravilha, porque o angolano e ele tinham de falar em português, não podiam falar tétum.
Então, o Paulo com ele, de facto, deu um salto enorme na língua e até de outros pontos de vista, porque o angolano era muito alegre, muito extrovertido. E o Paulo também ficou.
Portanto, acho que há um acolhimento muito bom, normalmente por parte dos portugueses, não tenho dúvida nenhuma. E cada vez mais as pessoas que vão para o mestrado são melhores, têm melhor formação e falam melhor português. Portanto, acho que hoje a integração é muito mais fácil. As pessoas que foram, que eram mais velhas, tiveram mais dificuldade, muitas vezes, por causa da língua e do tipo de formação que tinham, mas agora parece-me que isso já não existe.
É diretora-adjunta do mestrado em Ensino de Português no contexto de Timor-Leste, parceria entre a UNTL e a Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Que balanço faz desta parceria?
Faço um balanço muito positivo. Serei eu que sou otimista por natureza, mas acho que é um mestrado que está a funcionar muito bem. Mesmo em termos organizativos, está a funcionar sem sobressaltos. A pandemia causou problemas em todo o mundo. No entanto, tirando isso, é um mestrado que tem funcionado muito bem.
Há professores do Porto que têm vindo cá, de vez em quando. Há também professores de cá que têm ido para o Porto, de vez em quando.
Nós fizemos, por exemplo, as orientações de muitos dos estudantes em parcerias. Essas parcerias resultaram muito bem e houve bastantes estudantes que já defenderam as suas teses de mestrado. Acho que alguns deles com muita qualidade. Portanto, assim, no geral, acho que está a resultar muito bem, de uma forma muito tranquila. Sem confusões e com bons resultados.
Em Timor-Leste, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatísticas, de 2022, 40% da população domina o português. Como avalia este cenário?
Se eu confrontar a situação atual com a que encontrei na primeira vez que cá vim, acho que há um avanço muito grande. Em Timor-Leste, como noutras nações da comunidade de países de língua portuguesa, o português não é nem nunca será língua materna, vocês têm um conjunto de línguas que são línguas maternas. O português também não é língua materna , por exemplo, em Cabo Verde. A língua veicular, a língua em que os diferentes timorenses se entendem, é o tétum. Vocês têm línguas maternas diferentes, mas mais ou menos toda a gente fala tétum.
Portanto, o português terá um estatuto sempre de uma língua oficial, de uma língua que se acrescenta a essas, porque constitui uma mais-valia, uma vez que é uma língua que, neste momento, abre caminho para o mundo todo, porque é uma língua em franco crescimento, não por causa de nós, porque em Portugal, somos muito pouquinhos, não chegamos a 11 milhões de habitantes, mas em parte por causa do Brasil, que é um país enorme, mas também parou o seu crescimento demográfico, está naqueles 215 milhões, mas dali também não aumentará. Por causa de Angola e de Moçambique. São países que têm um crescimento demográfico impressionante. Deixaram de ter guerras, sobretudo Angola, Moçambique ainda tem lá umas confusões, mas Angola não tem guerra. E essa paz trouxe prosperidade, claro, e trouxe muito mais crescimento demográfico.
Em Angola, claramente, o português é não apenas uma língua que liga os angolanos, porque não há nenhuma língua nativa que todos falem, mas é claramente uma língua nacional de Angola. Oitenta e tal por cento dos angolanos dizem que falam português em casa. Claro que nas zonas rurais e mais afastadas, não é assim.
O português é uma língua segunda e não é a língua primeira, mas para uma esmagadora maioria dos angolanos, o português agora já é língua materna. O que dizem os estudos é que, mais ou menos em 2050, a maior parte dos falantes de português vai estar em África e não no Brasil, somando Angola com Moçambique. Vamos esperar que Timor-Leste também engrosse o número de falantes do português.
Na sua opinião, o que poderia ou deveria ser feito para disseminar mais e melhor a língua portuguesa em Timor-Leste?
Não sei muito bem, não tenho uma opinião assim muito formada, mas acho que deve haver mais rádio em português, televisão em português, que não seja só a RTP internacional, que não tem grande piada. As pessoas em África ainda ouvem. E a nossa televisão normal em África também é muito escutada, as pessoas assistem muito. Além disso, em Angola e Moçambique, a televisão também é em português. Aqui não, e eu acho que aqui era preciso haver mais meios de comunicação social em português, porque isso leva as pessoas a terem algum input do português, porque se for só na escola é muito pouco.
A aprendizagem acontece também fora da sala de aula, mas não se pode obrigar. Eu tive um doutorando de sociologia lá em Portugal que era timorense e que dizia que se devia obrigar as pessoas na UNTL, nos intervalos, a falarem em português, mas isso não se pode fazer, não faz sentido nenhum.
As pessoas falam a língua que falam, ninguém lhes pode impor, mas podia tornar-se o português mais familiar. Se, por exemplo, houvesse mais programas de rádio, mais programas mesmo na internet, ou mais alguns programas de televisão que fossem em português, porque as pessoas vão-se habituando a ouvir e a compreender melhor.
E aqui nunca será uma língua materna, de maneira nenhuma, nem nunca será uma língua veicular, vocês têm o tétum que faz muito bem esse serviço, e, portanto, é uma língua que acrescenta a essas, por questões também históricas, identitárias. Sinceramente, acho que é mesmo uma vantagem, porque, quer dizer, haver aqui neste país pessoas que dominam uma das línguas com mais importância do mundo, pode ser muito vantajoso para as próprias pessoas, que podem circular, podem ter mais contactos com África, que está a crescer e acho que isso é uma vantagem muito grande.
Estamos num mundo muito globalizado, as pessoas circulam muito, e depois o inglês não serve para tudo. Eu posso-lhe dar um exemplo do meu filho que está na Alemanha. Quando estava a fazer o doutoramento, perguntaram-lhe se ele estava disponível para ir à Nicarágua e se ele achava que conseguia comunicar com a população da Nicarágua, que fala espanhol.
E ele disse sim, que falava “portunhol”, meio português, meio espanhol, e que eles iriam perceber, e ele também os iria perceber. Porque a Alemanha estava a monitorizar a construção de um hospital que tinha sido oferecido pela Holanda à Nicarágua, os colegas alemães do meu filho falavam inglês muito bem, iam entrevistar médicos, o ministro, iam entrevistar este e aquele, mas era preciso alguém que fosse falar com a população e perguntar se aquele hospital era necessário, se estavam contentes. E ninguém falava espanhol. Então, o meu filho, por falar português, foi duas vezes à Nicarágua, porque ele é que falava com a população, no seu portunhol, claro, meio português, meio espanholado, conseguiu perfeitamente falar com as pessoas, fazer entrevistas, gravar entrevistas, fazer o relatório e trazer para a Alemanha o relatório da opinião. E, portanto, quanto mais línguas nós tivermos, melhor é para nós, não é? Mais portas abertas temos. A língua portuguesa é uma delas.
Muitos timorenses dizem que o português é difícil, porque tem muitos verbos e, por isso, preferem o inglês. Também preferem ver programas e ouvir música em indonésio. Qual é a sua mensagem para estes cidadãos?
Eu acho que todas as línguas são difíceis para quem não as fala, não é? Eu gostava muito de saber tétum, porque o que já percebo causa-me imensa curiosidade e é muito bonito. Aquela questão de as palavras terem um significado juntas, sei lá, Tasi-Tolu que significa três mares. Esse tipo de coisas eu acho fascinante, muito bonito e poético.
O português tem uma morfologia verbal muito complicada e o inglês tem uma morfologia verbal muito simples. E claro, o inglês fala-se por todo o lado, mas inglês toda a gente fala. Portanto, não faz diferença nenhuma depois se eu quiser arranjar outro emprego ou se quiser ter outro tipo de contactos com países da CPLP ou, por exemplo, entrar num mundo de negócios que seja feito em português, ou se quiser aprender outras línguas românicas, porque com o português consegue perceber o espanhol perfeitamente. Portanto, eu acho que é uma mais-valia.
Relativamente ao indonésio, percebo que estando aqui muito perto, e eu já percebi que as pessoas veem sobretudo televisão em indonésio, acaba por entrar, até porque se calhar também nunca saiu completamente.
Não há aqui uma continuidade que se compreende, mas falar indonésio aqui nesta região não traz novidade nenhuma para ninguém, não é? Não traz mais oportunidades. Eu diria que falar português, ou ter alguns conhecimentos de português que permitam comunicar, é uma mais-valia. É qualquer coisa que acrescenta. Também traz o mundo cá. E, por exemplo, eu noto essa busca do ensino do português por parte da China. Muitas meninas vão para o mestrado no Porto para serem professoras de português, porque depois arranjam emprego com muita facilidade na China. Há muitas universidades chinesas que ensinam português.
Porquê? Porque os chineses não andam a dormir, nós já percebemos, não é? Eles são muito inteligentes. E já perceberam que, por exemplo, África é um bom mercado para eles, eles têm muitas construtoras em África, por exemplo, o novo edifício da Universidade de Cabo Verde foi construído por chineses.
Pois quando eles chegam a esses sítios, o inglês não resolve. O inglês não resolve, porque as pessoas, muitas vezes, não falam inglês. Então, eles levam sempre tradutoras e levam sempre pessoas que falem mandarim, mas também falem português. E, portanto, eu acho que é uma língua que desse ponto de vista é útil e pode vir a fazer a diferença. Mesmo aqui, deste lado do mundo, não é?
Acho que é muito importante para toda a comunidade de países de língua portuguesa. Eu da última vez, ou da penúltima que cá estive, quando ia de Díli para Denpasar, reparei que havia um rapaz e uma rapariga ao meu lado a conversar e percebi que ele era timorense e ela era angolana. Ela tinha estado aqui. Portanto, eles encontraram-se e estavam a falar um com o outro em português, porque em que língua é que eles haviam de se entender, não é? Mas percebi que iam a falar muito bem e a entender-se muito bem e até fiquei comovida.
Como vê o futuro da Língua Portuguesa em Timor-Leste?
Isto é um misto de como vejo e do que desejo que aconteça. Eu espero que haja cada vez mais pessoas que sejam bilingues, trilingues ou multilíngues, porque vocês falam todos muitas línguas. Eu lembro-me uma vez uma pessoa, o Marcos Cabral, que agora está no Brasil a fazer doutoramento, mas esteve lá no Porto a fazer o mestrado e tinha, no início, muitas dificuldades com o português e depois até acabou por estudar como é que o tétum podia ser uma língua de mediação para o ensino português aqui em Timor.
Quando começou a fazer a tese, fez um esforço enorme, é uma pessoa por quem eu tenho imensa admiração, e uma vez disse-me «Ah, professora, eu escrevi uma coisa sobre mim, mas professora, tire, se calhar não faz sentido». E então o que é que ele tinha escrito sobre ele?
Ele falava Makasae como língua materna. Depois foi para a escola ainda no tempo de Portugal para a primeira classe e aprendeu português que ele nunca tinha ouvido, uma língua completamente diferente e depois deu-se a invasão indonésia e a família dele fugiu para a montanha. Durante dois ou três anos, não teve escola, porque estavam escondidos, depois quando voltou à escola já não era em português, já era uma escola indonésia e ele teve de aprender indonésio. Mais tarde, veio para Díli estudar e teve de aprender tétum. E então ele dizia isto: «um timorense é assim, um timorense da minha geração é assim», eu disse-lhe para não tirar essa explicação da tese, pois era um exemplo deste multilinguismo.
As pessoas, às vezes, falam a língua dos pais, depois falam tétum, depois aprendem um pouco de português, depois aprendem inglês. Às vezes, têm quatro línguas, é mesmo um país multilingue e acho que isso é uma riqueza, embora seja uma confusão. E para os próprios timorenses deve ser difícil. Acho que faria sentido que vocês mantivessem o português no meio dessa confusão, é mais uma língua que tem uma importância grande neste momento no mundo e que está em franco crescimento, não é porque a gente queira, não é porque Portugal queira que esteja em franco crescimento, nós não mandamos nada, somos mesmo muito pequeninos, ao contrário de Angola e Moçambique.
Eu acho que devem continuar, devem insistir, devem tentar disseminar mais, por exemplo, uma coisa que eu acho que resulta é aquele tipo de círculos de leitura. Eu tenho um ex-estudante moçambicano que vive numa zona muito interior de Moçambique e faz rodas de leitura. Moçambique tem o português como língua segunda, realmente é a língua veicular, porque de norte a sul de Moçambique, têm muitas línguas, é também um país com um forte plurilinguismo e a única língua que têm em comum é o português, porque a língua moçambicana mais falada é o Macua e só 20 e tal por cento de habitantes é que falam, portanto não dá. E são línguas muito diferentes entre o norte e o sul. Portanto, o português tem outro tipo de vitalidade, mas de qualquer maneira, esse tipo de experiência, por exemplo, é engraçada.
A gente tem de acreditar para fazer essas coisas. Eu acho que isso resulta. E há a questão dos media, de haver mais notícias em português, mais programas, até de diversão em português, sei lá, as novelas ou debates em português, porque isso obriga a pessoa a falar. E é importante que as pessoas sejam capazes de falar, para quando forem a qualquer lado, a Macau por exemplo, que está aqui perto, poderem falar em português.
Eu acho que as pessoas conseguem perfeitamente manter uma conversa e é isso que importa. Repare, mesmo em Angola e em Moçambique, o português que é falado normalmente não é igual ao português europeu. Nem tem de ser. Portanto, depois vai haver características locais que vão entrando na língua, porque as línguas maternas não são as mesmas, há misturas que se vão dando, há empréstimos de outras línguas que vão entrando, mas não é preciso falar português como se fala em Lisboa.
O sotaque também é completamente diferente, mas isso não tem importância nenhuma, o que interessa é que as pessoas se entendam. Imagine que vai uma pessoa de Timor-Leste desempenhar um cargo qualquer na ONU ou na UNICEF ou numa organização internacional, o que importa é que seja capaz de falar com outros que lá estejam, não é?
Cf. “Miminhos da Di” de Timor-Leste para aprender e brincar em português
Entrevista publicada no dia 2 de fevereiro no jornal timorense Diligente.