«(...) Quanto a mim, já o defendi de forma exaustiva, a língua de instrução e ensino em Timor-Leste deve ser a língua portuguesa, em todos os níveis de escolaridade (Educação Pré-Escolar, Ensino Básico, Ensino Secundário e Ensino Superior), uma opção correcta porque é explicada por factores de vária ordem, identitária, histórica, política, afectiva, científica, pedagógica, entre outros factores, podendo as outras línguas desempenhar um papel auxiliar no campo didáctico-pedagógico. (...)»
A política de Timor-Leste em relação à língua de ensino nas escolas é uma questão estratégica e de soberania. Se a política linguística nas escolas muda em função dos governos, como tem acontecido, não estamos a ser sérios com o povo, nem com os nossos irmãos da CPLP.
Mais do que isso, se não conseguimos ser coerentes e vacilarmos perante pressões externas, se não conseguimos assegurar um quadro global educativo que apareça de uma visão estratégica capaz de influenciar e garantir a concepção, execução e avaliação de um projecto nacional com impacto na educação, na ciência, na cultura e no desenvolvimento socioeconómico, então, teremos que aceitar, somos um Estado falhado!
Quando mudam os governos é normal haver novas políticas públicas. Mas, em questões altamente estratégicas, como é o caso da importância da consolidação da língua portuguesa em Timor-Leste, as políticas definidas pelos governos X, Y e Z, não podem ser contraditórias.
Portanto, torna-se imperativo haver um entendimento ao nível do Estado de Timor-Leste em relação à consolidação e ao desenvolvimento da língua portuguesa, conducentes a um pacto de regime, porquanto, trata-se de uma questão vital e estratégica para o progresso e o desenvolvimento do país em contexto nacional e internacional.
Note-se que a expectativa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e dos governos dos países de todo o mundo é entender de uma vez por todas, sem hesitações e sem ambiguidades, qual será o rumo de Timor-Leste em matéria linguística.
Esta espera dura há mais de 20 anos (!), por conseguinte, seja qual for o caminho a percorrer, tem que haver uma definição clara e definitiva em relação ao destino da língua portuguesa, inclusive, por uma questão de respeito pelos eleitores e pelos cidadãos de todo o território nacional.
A Constituição da República Democrática de Timor-Leste, no seu Artigo 13.° (Línguas oficiais e línguas nacionais), refere que «o tétum e o português são as línguas oficiais da República Democrática de Timor-Leste».
Quanto a mim, já o defendi de forma exaustiva, a língua de instrução e ensino em Timor-Leste deve ser a língua portuguesa, em todos os níveis de escolaridade (Educação Pré-Escolar, Ensino Básico, Ensino Secundário e Ensino Superior), uma opção correcta porque é explicada por factores de vária ordem, identitária, histórica, política, afectiva, científica, pedagógica, entre outros factores, podendo as outras línguas desempenhar um papel auxiliar no campo didáctico-pedagógico.
Políticas curriculares estão a matar a língua portuguesa
Sobre a questão da implantação da língua portuguesa no país, por ser um exemplo paradigmático, não posso deixar de referir os normativos que foram publicados em 2015, refiro-me ao Decreto-Lei Nº 3/2015 de 14 de Janeiro e ao Decreto-Lei Nº 4/2015 que aprovam o Currículo Nacional de Base da Educação Pré-Escolar e do I e II Ciclos do Ensino Básico, respectivamente, especialmente criados para aniquilar a língua portuguesa.
A promulgação desses normativos jamais devia ter acontecido, na medida em que sob a capa e o pretexto subtil de se atribuir importância à multiculturalidade e às línguas nacionais, aprovou-se uma «Matriz curricular para o Pré-Escolar e para o Primeiro Ciclo da Escola Básica em que o “Desenvolvimento Linguístico” na componente curricular de língua portuguesa não existe, sendo totalmente nulo (!), com o intuito declarado de eliminar a língua portuguesa na educação Pré-Escolar e no Primeiro Ciclo do Ensino Básico».
Sem qualquer justificação verdadeiramente plausível e aceitável, a promulgação destes normativos, repito, teve o intuito óbvio de aniquilar o desenvolvimento e a consolidação da língua portuguesa, num contexto onde se gastam largos milhares de dólares para manter em funcionamento a Escola Portuguesa de Díli e o Projecto dos Centros de Aprendizagem e Formação Escolar (CAFE), no passado conhecido por “Escolas de Referência Portuguesas”.
A Escola Portuguesa de Díli e os Centros de Aprendizagem e Formação Escolar (CAFE), esta verdade não pode ser escamoteada, têm milhares de alunos timorenses em lista de espera, precisamente, devido ao desejo de se aprender português e à qualidade formativa de excelência ministrada em língua portuguesa, por docentes portugueses e alguns nacionais, com implantação em todo o país, projectos que obedeceram a acordos de cooperação bilaterais (Portugal/Timor-Leste) e que têm como pano de fundo um compromisso muito nobre desenhado no âmbito da CPLP na defesa e desenvolvimento da língua portuguesa.
A concretização de um compromisso do Estado timorense sobre a Língua Portuguesa terá que ser concretizada, também, para se dar luz verde à criação de uma Escola Superior de Educação para formação inicial de professores e de especialistas em educação, com o apoio do Brasil, de Portugal e de outros países da CPLP, um projecto inserido nas propostas políticas já defendidas pelo Partido Socialista de Timor (PST).
Em relação às línguas nacionais, não vá às vezes haver equívocos e deturpações erradas sobre os meus pensamentos, estou plenamente de acordo no que diz respeito à sua particular importância, até por força da Constituição da República, contudo, sejamos sérios e coerentes!
Se em Timor-Leste há mais de 15 línguas diferentes que resultam da «diversidade geográfica da ilha, às guerras internas e à consequente integração de subgrupos em outros grupos étnico-linguísticos» (Cinatti, 1987, Thomaz, 2002 et al), qual seria a língua materna a desenvolver no sistema ensino? Onde estão os professores com competências científicas e didáctico-pedagógicas para ensinar em Mambae, em Makassai, em Bunac ou em Baiqueno, num processo de ensino-aprendizagem de excelência?
Primeira etapa da matança da língua portuguesa <BR> – Decreto-Lei N.º 3/2015
O Decreto-Lei N.º 3/2015 de 14 de Janeiro que aprova o Currículo Nacional de Base da Educação Pré-Escolar, em relação ao Desenvolvimento Linguístico, premeditadamente caracterizado pela ambiguidade, refere que o objectivo final da educação Pré-Escolar é assegurar que as crianças possuam “uma base de linguagem numa das línguas oficiais”, sem especificar qual é, conforme se observa no Ponto 3 do Artigo 13º:
«O currículo será implementado de forma a garantir, através de uma progressão linguística do Tétum ao Português que, no final da educação Pré-Escolar, as crianças possuam uma base de linguagem numa das línguas oficiais.»
(Ponto 3 do Artigo 13.º – Linguagem oral e escrita)
Considerando o mesmo Decreto-Lei, mas no Ponto 4, em contradição com o Ponto 3, é referido que se vai fazer «uso da primeira língua das crianças» no processo de ensino-aprendizagem, e estas são palavras minhas, poderá ser Mambae, Makassai, Bunac ou Baiqueno ou outra qualquer língua nacional, portanto, sem a língua portuguesa, conforme se pode ler e reler no seu Ponto 4, obviamente, não me cansarei de repetir, uma estratégia desenhada com o intuito de iniciar a matança da língua portuguesa.
«O currículo nacional, reflectindo a sociedade multilingue e multicultural timorense, faz uso da primeira língua das crianças como instrumento de acesso efectivo ao conteúdo curricular desta área do conhecimento, quando necessário.»
(Ponto 4 do Artigo 13.º – Linguagem oral e escrita)
Evidentemente, se a componente de português é nula, no Ponto 3 do Artigo 13.º, onde se lê «possuam uma base de linguagem numa das línguas oficiais», realmente, é uma falácia, porque havendo apenas ensino em tétum e nas línguas nacionais, o português não está incluído nas alegadas «duas línguas oficiais» conforme está descrito no Ponto 3 do Artigo 13.º.
Segunda etapa da matança – Decreto-Lei N.º 4/2015 de 14 de Janeiro
O Decreto-Lei N.º 4/2015 de 14 de Janeiro que aprova o Currículo Nacional de Base do Primeiro e Segundo Ciclos do Ensino Básico, especialmente aprovado para dar continuidade à implementação do normativo em relação ao “Desenvolvimento Linguístico da Educação Pré-Escolar” (leia-se: matança da língua portuguesa), refere, veja-se com espanto, o seguinte:
«O currículo será implementado de forma a garantir, através de uma progressão linguística do Tétum ao Português, que, no final do segundo ciclo, os alunos possuam uma sólida base de literacia das duas línguas oficiais.»
(Ponto 2 do Artigo 11.º do Decreto-Lei N.º 4/2015 de 14 de Janeiro)
Notoriamente, depois de lermos o Ponto 2 do Artigo 11.º e observarmos a Matriz curricular (Anexo I) ficamos estupefactos porque, pura e simplesmente, nos primeiros 4 anos de escolaridade (1.º Ano, 2.º Ano, 3.º Ano e 4.º Ano), a Literacia – Português não tem carga horária, não existe (!!), ou seja, jamais será possível desenvolver a língua portuguesa no II Ciclo, conforme é erradamente apregoado no normativo.
Para além das incoerências de ordem didáctico-pedagógica e normativa, as decisões tomadas contrariam evidências científicas de estudos da área de pediatria e de psicologia, sabiamente demonstradas em pesquisas realizadas em Inglaterra, nos EUA e em outros países, onde se demonstra que a aprendizagem ocorre de forma mais significativa em faixas etárias da infância, portanto, quando as habilidades linguísticas se desenvolvem muito rápido.
De facto, há dez anos, dois anos antes da promulgação dos normativos da matança da língua portuguesa, Helen Briggs da BBC News publicou um estudo muito interessante no The Journal Neuroscience sobre essas evidências, comprovadas cientificamente.
Segundo essa pesquisa, cientistas ingleses e norte-americanos provaram que entre os dois e os quatro anos de idade, as crianças têm facilidade em aprender mais de um idioma.
Também, o estudo mostra que a primeira infância é um período em que as habilidades linguísticas se desenvolvem muito rápido, referindo que aos 12 meses de idade os bebés têm um vocabulário de até 50 palavras, mas, aos seis anos pode atingir cerca de cinco mil palavras!
Acabar com as contínuas rupturas nas políticas educativas
Para além da necessidade de um «Pacto de Regime» em relação à implantação da língua portuguesa em Timor-Leste, uma realidade que poderá acontecer a partir da tomada de posse do IX Governo Constitucional, sob a liderança de Kay Rala Xanana Gusmão, e com o empenho do Presidente da República, José Ramos-Horta, há absolutamente necessidade de assumir que a educação diz respeito a todos.
Neste aspecto, a escola, o currículo, os professores, os gestores escolares, os estudantes, todos eles, aguardam que o Estado de Timor-Leste se pronuncie a uma só voz (!), por um lado, sobre as políticas curriculares direcionadas para a língua, por outro lado, para recuperar o atraso educativo de Timor-Leste com a apresentação de novas políticas educativas para regularizar o sistema educativo fortemente abalado pelas contínuas rupturas que ocorrem no país há mais de 20 anos.
Cf. “Miminhos da Di” de Timor-Leste para aprender e brincar em português
Artigo de opinião do professor universitário português Manuel Azancot de Menezes, transcrito, com devida vénia, do jornal digital Tornado do dia 24 de junho de 2023. Escrito de acordo com a norma ortográfica de 1945.