Uma palavra nova — Zoom, o das videochamadas — presta-se logo a entrar numa língua. Mas não é só na língua, é na cultura. Neste caso, na do convívio.
«Tens algumas zumadas planeadas para o Natal?»
Estava a ouvir, com alguma inexplicável inveja, a conversa entre amigos das minhas filhas, alguns deles emigrados. «Lembras-te da zumalhada do ano passado?»
Juntando a saudade ao confinamento — e a solidão geográfica à obrigatória —, os portugueses florescem a exercer a sua especialidade. São séculos de «que pena não podermos estar juntos!» a trabalhar a nosso favor.
Na zumalhada de 2020 para 2021 — oh, quanto tempo passou, éramos todos tão moços! — houve alguém que carregou no vinho e que depois se queixou de que a culpa era das videoconferências, porque cada pessoa ficava entregue a si própria, não havendo, por isso, quaisquer entraves sociais ao abuso do álcool.
Havia sim, pelo contrário, perante a visão de tanta cara amiga, tão impossível de abraçar, um incentivo para apanhar calmamente uma cadela.
Uma zumada quer-se bem regada, mas também houve comes. Um levou um peru e um Dresdner Christstollen que foi desconjuntado ao som de piadas de mau gosto sobre favas e bacalhaus. Outros, para serem simpáticos, uivaram de fome.
Não é preciso voltar ao século XX para darmos valor a esta gracinha (mais inha por ser de graça) de podermos estar todos em cantos diferentes do mundo e, mesmo assim, podermos ver-nos, em tempo real, a mastigar bolo-rei e a adormecer com o vinho do Porto.
Cada vez me convenço mais de que o que interessa é o que fazemos com aquilo que temos à mão. A tecnologia é secundária. Serve para se pegar nela e perguntar «sabes o que é que podíamos fazer com isto?».
O resto é conversa, escrita com pena de ganso — ou filmada.
N. E. (20/12/2021) – Zumada , «encontro virtual pela plataforma Zoom», e zumalhada, «idem» (com sentido jocoso), são palavras derivadas pela forma de base zum., aportuguesamento do nome próprio Zoom, denominação da conhecida platafoprma de videoconferência. Zumada e zumalhada resultada da adjunção do sufixo -ada, exprimindo a aceção de «conjunto (por vezes desorganizado» (cf. misturada, criançada), ideia reforçada pelo sufixo -alhada, de sentido depreciativo (cf. salgalhada), Este nome foi cunhado em inglês , em resultado da conversão do nome comum zoom, palavra expressiva que significa genérico «movimento rápido de aproximação ou afastamento» e «efeito de aproximação ou afastamento no enquadramento de imagem obtido pela lente de uma máquina fotográfica ou por uma câmara de filmar» (cf. Infopédia, Lexico e Online Etymology Dictionary). Atualmente, to zoom também se usa na aceção de «comunicar pela plataforma Zoom».
Crónica do escritor Miguel Esteves Cardoso, publicada no jornal Público do dia 18 de dezembro de de 2021, escrita segundo a norma ortográfica de 1945.