« (...) Uma das grandes tragédias de qualquer país é que as pessoas que têm graça não escrevem e as pessoas que escrevem não têm graça. (...)»
Nunca percebi por que é que não há milhares de estudantes e investigadores de picareta ao ombro, a caminho da mina do Facebook, tal é o repositório imenso que lá existe à mão de qualquer um.
É a única vez na história humana que podemos ler aquilo que escrevem pessoas que não costumam escrever. Nem estão apenas a escrever sozinhas. Estão a conversar com outras. Não é só um tesouro linguístico. É um retrato vivo da nossa cultura.
Uma das grandes tragédias de qualquer país é que as pessoas que têm graça não escrevem e as pessoas que escrevem não têm graça. Acontece o mesmo com a inteligência e a originalidade.
Escrever é uma actividade estranha, muito destapada e estacionária, que se sujeita a comentários e emendas que se prestam à malícia e à exibição de superioridades.
Quando se fala, nada fica gravado e pode-se sempre voltar atrás, dizendo que não era isso que se queria dizer. Mas escrever é definitivo. Não admira que se fuja.
Vejam esta troca, na página sobre a fábrica da Regina do grupo Lisboa Antiga.
Escreve José Manuel da Silva: “LEVEI ALGUNS ALUNOS EM VEZITAS DE ESTUDO NOS ANOS 70”.
Comenta António Almeida: «Não era professor de português».
Responde José Manuel da Silva: «Não era motorista do colégio Champagnat».
Teve graça o Sr. Almeida mas o Sr. Silva chegou para ele, com grande elegância, abandonando as maiúsculas mas retendo o desprezo saramaguiano pela pontuação.
De resto, os comentários estão cheios de recordações interessantes, com pormenores que doutra forma estariam para sempre perdidos – pormenores sobre quem lá trabalhava, sobretudo, mas, sim, também sobre os deliciosos chocolates que saíam de lá – e sobre aqueles que lá ficavam.
Só os inultrapassáveis bombons de ginja davam para um livro inteiro...