Durante muitos séculos, um grande número de profissões e atividades tinha acesso vedado às mulheres. Em Portugal, por exemplo, até à revolução de abril, as portuguesas estavam impedidas de exercer atividades relacionadas com a magistratura, a política, a diplomacia, entre muitas outras. Com efeito, quando, em 1977, Ruth Garcês se tornou a primeira mulher à frente de um tribunal, houve quem resistisse à utilização do termo juíza para designar uma «magistrada que administra a justiça, tendo como função aplicar a lei» (Infopédia). Aliás, a palavra juíza só viria a ser registada nos dicionários de língua portuguesa nas últimas décadas do século passado.
Felizmente, nos dias de hoje, o acesso à grande maioria dos empregos já não é tão restrito às raparigas e mulheres que os pretendam ter. Contudo, por vezes, surgem ainda alguns constrangimentos ou polémicas quando se adota a forma feminina de alguns nomes de atividades, cargos e profissões. Há uns tempos, um amigo perguntava-me se a forma maestra poderia ser considerada uma versão feminina da palavra maestro, visto que algumas mulheres preferem ser designadas através deste termo, ao invés de maestrina, vocábulo atestado pelos dicionários da língua portuguesa como o feminino do nome maestro. Aliás, a este propósito, no ano passado, a orquestra do Algarve informou os seus seguidores, por meio de uma declaração nas suas redes sociais, de que passaria a usar a palavra maestra, argumentando que só este termo pode realmente ser equiparado a maestro. Neste sentido, a questão que se impõe é: deve optar-se por maestra ou maestrina?
Do ponto de vista normativo da língua, o feminino do nome maestro é, na verdade, a forma maestrina. Note-se até que a grande maioria dos dicionários apenas atesta a palavra maestrina, com a aceção de «regente de orquestra, coro ou banda» e «compositora de música ligeira» (Infopédia). Contudo, pesquisando os sentidos atribuídos a maestro, o que encontramos, por exemplo, no Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa (DLPACL) é «pessoa que compõe música», «pessoa que rege, dirige uma orquestra, banda ou um orfeão importante» e ainda «título honroso dado a um músico». Neste sentido, podemos constatar que os sentidos atribuídos a maestrina e a maestro não são exatamente os mesmos. Parece, inclusive, que o termo maestrina está mais associado a um género musical mais popular e, por conseguinte, considerado pouco erudito e complexo, ao contrário da imagem vinculada à palavra maestro. Note-se que para designar, no masculino, um compositor de música ligeira, um dos vocábulos que podemos usar é maestrino.
Para além disto, analisando a morfologia de maestrina, encontramos no seu elemento de formação o sufixo -ina, que, segundo o DLPACL, atribui, entre outros, um valor diminutivo à forma a que se junta. Por conseguinte, algumas mulheres defendem que maestrina serve, na realidade, para diminuir a posição e capacidade da mulher perante o homem, como se estas não fossem tão capazes de conduzir com excelência uma orquestra como estes. Nesta perspetiva, será então preferível a utilização da forma maestra como feminino de maestro, usando, assim, o processo geral de formação do feminino que consiste na substituição da vogal -o (referente em muitos casos a nomes masculinos) pela vogal -a.
Portanto, o que muitas vezes parece ser uma minuciosidade da língua é, no fundo, uma forma de combate a muitos dos preconceitos ainda presentes na sociedade e que são visíveis na língua. O que é certo é que não devem restar dúvidas de que elas são tão capazes de dirigir com sublimidade um grupo de músicos quanto eles, tal como demonstra tão bem a maestra ou maestrina (conforme for a sua preferência) Joana Carneiro.