«Trump rendeu-se à máscara». Eis uma frase que não faria sentido em janeiro de 2020, pelo menos não o sentido que hoje lhe damos.
Máscara era, noutros tempos, o termo usado para designar o objeto que cobria o rosto em época carnavalesca. Neste período de folia, a máscara era como uma segunda pele, que permitia assumir uma outra personalidade, o que, por si só, prometia diversão. Máscara mantinha, assim, traços da palavra árabe masjara, da qual terá evoluído e que significava «figura ridícula». Era um ridículo que fazia rir.
Figura ridícula faz hoje quem se recusa a trazer máscara, porque, se noutros tempos, a opção de não a usar correspondia a uma recusa de folia, hoje pode significar uma ação de morte. A alegria inconsequente da máscara burlesca evoluiu para uma decisão de despreocupação com a saúde dos outros. Não usar máscara pode ser um caso de vida ou de morte. E, estando alguém infetado, a recusa da máscara faz dele um anjo da morte, que, de forma silenciosa e transparente, arrasta consigo um véu de morte. E nada disto faz rir. A decisão de não usar máscara é um ridículo, mas que gera escárnio.
Quem usa máscara nos dias de hoje já não procura diversão e já não faz rir ninguém. Inversamente, não usar máscara desencadeia um ato de menosprezo. Prestar-se ao ridículo é hoje não usar máscara e orgulhar-se dessa decisão e procurar torná-la moda e um ato de caráter. Até daria para rir, não fosse o caso tão ridículo.
Mais ridículo ainda é passar a usar máscara não porque, num gesto de altruísmo, se implementa a proteção que esta garante, mas porque, numa atitude puramente egoísta, se procura explorar os seus efeitos políticos em benefício próprio, como parece acontecer lá para o lado dos Estados Unidos.
E, se por lá a máscara parece estar a vencer, no Brasil, onde a morte galopa, continua a afirmar-se que máscara é objeto de curta masculinidade e nega-se que seja um ato de respeito pela vida, enquanto se defende que esta é, sim, fruto da ação de um extremismo islâmico, que nos quer tapar o rosto a todos.
Da folia à seriedade do respeito pela vida dos outros para acabar na loucura de alguns. Eis a extraordinária história da máscara nesta nossa civilização não menos enlouquecida.
Cf. "Se todos usarem máscara, a transmissão do vírus será interrompida"
(Áudio disponível aqui)
Apontamento da autora no programa Páginas de Português, emitido na Antena 2, no dia 19 de julho de 2020.