«A despeito de serem ambas as formas válidas e aceitáveis, nota-se ainda um uso maior do substantivo fim sobre o substantivo final, sendo o primeiro aproximadamente duas vezes mais recorrente do que o segundo [...].»
Embora eu não seja grande entusiasta de discussões como «Isto ou aquilo?», «O correto é assim ou assado?», pois penso que há assuntos mais interessantes, é inevitável não tratar disso em épocas como esta, em que muitos desejam enviar suas felicitações em bom português a familiares e amigos – sendo, para tanto, necessário saber se é final ou fim de ano; ano novo, ano-novo, Ano Novo ou Ano-Novo; boas festas ou boas-festas, etc.
Bem, quando o tema é «Fim ou final?», infelizmente ainda se propagam uns belos mitos ou, no mínimo, informações desatualizadas a respeito de nosso próprio vocabulário.
É muito comum escutar que final é um adjetivo oposto a inicial (e tudo está correto até aqui), de sorte que podemos trabalhar com oposições: termo final e termo inicial; provas finais e provas iniciais; letras finais e letras iniciais; e por aí vai.
Por sua vez, fim é um substantivo oposto a início: início de ano e fim de ano; o início de tudo e o fim de tudo; o início do mundo e o fim do mundo… e por aí se vai até o fim de novo.
O que muitos ainda não descobriram, porém, é que final já é empregado também como substantivo (sinônimo de fim, oposto a início) pelo menos desde 1873, segundo aponta o dicionário Houaiss.
Pesquisando o verbete final, damos com a seguinte acepção:
[substantivo masculino (1873) 6 última parte; fim, termo, remate ‹o final de um filme› ‹o final do caderno› ‹o final da rua› ‹o final do mês›]
Se isso não parece o bastante, uma breve pesquisa no Corpus do Português revela que diversos escritores clássicos já se valeram de final enquanto substantivo, equivalendo a fim:
«Dias depois recebi a réplica; não me lembra se trazia cousas novas ou não; o calor é que crescia, e o FINAL era o mesmo…»
«Antônio Roxo e João Felipe foram, até o FINAL, cavalheiros e amigos.»
«Eram perto de dez horas; cantava-se o FINAL do segundo ato da ópera…»
«Dos múltiplos aspectos da vida dramática e tormentosa do valente, o escultor escolheu o mais fugitivo e revolto: o FINAL de uma carga vitoriosa.»
«Lembravam-lhe as suas palavras muito sérias, naquela noite, quando Ernestinho contara o FINAL do seu drama.»
«…onde os recém-nascidos se declaram já cépticos, e espaçando, como eles próprios dizem, na neurose deste FINAL de século, que viu tudo…»
Fica evidente, portanto, como o emprego substantivo de final não é muito recente – tem seu uso atestado no dicionário e exemplos consideráveis no melhor de nossa literatura, inclusive em expressões temporais, como no último trecho citado: «final de século».
Mas e o costume?
A despeito de serem ambas as formas válidas e aceitáveis, nota-se ainda um uso maior do substantivo fim sobre o substantivo final, sendo o primeiro aproximadamente duas vezes mais recorrente do que o segundo, o que se pode depreender também do Corpus:
Nos registros mais antigos e históricos, há 278 ocorrências de «fim de semana» contra 143 de «final de semana». Nos registros atuais, a diferença é de 82.069 contra 26.333.
Voltando aos registros antigos e históricos, há 35 «fim de ano» contra 25 «final de ano». Já nos arquivos atuais, a diferença é de 13.838 sobre 6.115.
Além disso, é certo que algumas expressões foram cristalizadas com o substantivo fim, como é o caso de «o fim do mundo», «fim de papo», «o fim da picada», «sem fim», que hoje acabariam muito estranhas ao ouvinte se substituíssemos o substantivo por final.
De todo modo, os registros em dicionários, os fartos exemplos da literatura, o sem-número de ocorrências no Corpus e mesmo o que testemunhamos no dia a dia nos permitem concluir que tanto fim quanto final são substantivos à nossa disposição para falar de encerramento – e isto sem medo de infringir regrinha alguma.
Tenhamos, pois, um bom fim ou final de ano, segundo o gosto e a preferência de cada um.
Texto publicado no mural Língua e Tradição, no Facebook, no dia 31 de dezembro de 2022.