O verbo desdemitir, na sua versão reflexa (desdemitir-se), surgiu recentemente em dois dos programas nos quais participa o humorista Ricardo Araújo Pereira (Isto é Gozar com quem Trabalha, de 14 de setembro de 2025, e Programa Cujo Nome Estamos Legalmente Proibidos de Dizer, de dia 12 de setembro de 2025) , a propósito de uma situação insólita ocorrida em Coimbra: uma vereadora que anunciara a sua demissão, após uma aposta com o atual presidente da câmara, acabou, afinal, por voltar atrás e permanecer no cargo (ver notícia, aqui). Para sublinhar o absurdo do caso – primeiro demitir-se e depois “desfazer” a demissão – Ricardo Araújo Pereira recorreu a este verbo que, quanto ao significado, é um neologismo de certo modo transparente para falantes do português, criado pela simples adição do prefixo des- ao verbo demitir.
De facto, o prefixo des- tem grande produtividade em português, sendo um prefixo que «exprime a ideia de separação, afastamento, ablação, ação contrária, de cima para baixo, intensidade, reforço» (Infopédia). É o que acontece em desfazer («anular o que foi feito»), desdizer («negar o que se disse»), desmentir («contestar uma afirmação»), desautorizar («retirar a autorização dada»), entre muitos outros. Alguns destes verbos têm origem antiga, como desfazer ou desdizer, cuja evolução histórica remonta ao português medieval, de acordo com o Dicionário Houaiss.
Desdemitir enquadra-se, portanto, no padrão morfológico do português: a junção de des- a um verbo de ação para criar um termo que sugere a anulação do ato em causa. Não obstante, convém notar que desdemitir-se, que não está registado nos dicionários nem parece de uso generalizado, suscita alguma estranheza: se, para empregar demitir, se pressupõe a situação que resulta de admitir, então, o estado subsequente ao ato de demitir só será cancelado se houver nova admissão, o que se exprime geralmente pelo verbo readmitir, e não por desdemitir. Emerge, assim, a intenção crítica de desdemitir-se, que aproxima este derivado de desdizer-se («contradizer-se»), sugerindo que a demissão, que deveria decorrer de uma decisão séria e firme, redundou numa ação inconsequente e contraditória.
Entre o reconsiderar de atos precipitados e o recuar numa decisão que deveria ser levada a sério, assim parece oscilar a interpretação de desdemitir-se. Entretanto, o seu uso em contextos públicos – mediático, humorístico ou político – pode muito bem contribuir para a sua difusão e eventual lexicalização.