À semelhança do que sucede noutros espaços do português, em Angola o verbo trocar também se enriquece quando trata de dinheiro. Disso nos dá conta Edno Pimentel, em mais uma crónica na sua coluna Professor Ferrão, do jornal angolano Nova Gazeta.
Já o Tchiuná e o Chila tinham reclamado dela, mas como estes nunca falam a sério, quase ninguém acredita neles. Depois do trabalho, como já é costume, todos os jovens da rua Câmara dos Lobos tinham, aliás, têm até hoje o quintal da tia Salu como passagem obrigatória. É uma espécie de… «nossa casa comum», onde muitos passam o resto do «dia do homem» – a sexta-feira.
E a tia Salu, que nunca quer ver insatisfeitos os seus fregueses, prepara, com tempero ajindungado que só ela sabe fazer, a linguiça, o macaiabo e o pincho. «É para os meus clientes não me fugirem», justifica.
No entanto, apesar de todo esse empenho, notava-se que os potenciais clientes, aos poucos, reduziam a frequência, tudo, segundo aqueles que ainda faziam daquele lugar o seu ponto de encontro, porque ela nunca aceitava dar o troco. «E não é só isso. Se tens notas de mil ou dois mil kwanzas, ela nunca aceita destrocar», confirma um deles.
Por causa disso, uns já não frequentam a casa, outros, antes de lá irem, destrocam já o dinheiro em notas "miúdas" e pagam o valor exacto da conta. «Isso é mau hábito», desabafa o Thiuná.
A tia Salu parece não ser a única. «Conheço muita gente assim. A tia Joaninha, por exemplo, também não aceita destrocar», minimiza a Meury, outra cliente da casa. «Não aceito mesmo. Quando destroco, o meu dinheiro desaparece», defende-se a tia Joaninha.
O engraçado nisso é que, quando a cerveja não está bem gelada, ninguém pede para destrocar, mas sim para trocar por outra bem fresquinha. Destrocar só quando a questão é dinheiro. Algumas kínguilas também destrocam divisas em kwanzas e vice-versa.
Acho que os jovens deviam entender a tia Salu. Ela tem sim de devolver o troco. Até aí tudo bem. Mas não podem forçá-la a destrocar. Quem quiser, como ela sugere e bem, «vai primeiro trocar o dinheiro» e depois consome. «São ingratos porque não lhes cobro pelo petisco», lamenta.
in semanário angolano "Nova Gazeta", de 11 de abril de 2013, na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.