A resposta Procurador(a)-geral da República, de Maria Regina Rocha, rigorosa, como sempre, deixou em aberto, mesmo assim, uma chamada de atenção para uma subtileza da língua.
Como aí se sublinha, uma coisa é o cargo, outra a pessoa que o exerce. Podemos dizer: «A chancelerina Ângela Merkel», mas devemos dizer que «Ângela Merkel exerce o cargo de chanceler da Alemanha». Da mesma maneira, podemos dizer: «A presidenta Dilma Rousself» (aceitando a controversa palavra “presidenta”), mas «o presidente da República Federativa do Brasil é Dilma Rousseff».
Assim, também poderemos escrever, referindo-nos à nomeação ocorrida em Portugal: «A nova procuradora Joana Marques Vidal» [da Procuradoria-Geral da República].
Só que, neste caso, na expressão «a nova procuradora», falta coerência lógico-conceptual, se atendermos que em Portugal esta magistrada é a primeira mulher a ocupar o «cargo de procurador-geral».
O significado de «a nova» no género e no contexto pode ser «a mais recente». Ora não podemos escrever: *«A mais recente mulher procuradora é Joana Marques Vidal», porque não houve nenhuma antes dela. Assim, eu escreveria: «O novo procurador-geral é a magistrada Joana Marques Vidal», a primeira mulher a ocupar este cargo.
Podia ficar por aqui. No entanto, respeitando a correção linguística, tenho também por lema ser tolerante na língua (porque ela será «sempre viva», e eu não).
Claro que para um estranho ao que se tem passado na Procuradoria-Geral, a palavra «nova» pode confundir, na ideia de que terá havido mais mulheres procuradoras; mas, na mensagem pretendida, tem isso importância? A palavra «nova» neste caso tem até duas linhas de força estilística: ser uma nomeação recente e, implicitamente, tratar-se da novidade de ser uma mulher. Ora a estilística pode subverter as regras rígidas, quando pretende um realce no agrupamento de palavras, baseando-se no princípio de que o cérebro humano lê nas entrelinhas: não é um computador que fica baralhado quando não é seguida a lógica do programa. No Prontuário da Texto em Estilística, 2.4, estão vários casos em que a desobediência ao vernáculo pode dar outro realce à frase (cito só um exemplo, de concordância: «a multidão de pessoas na fuga espezinharam-se umas às outras» [há aqui um desvio das regras]). A única cedência aos cânones pode ser sublinhar a `desobediência´ feita, para que o leitor apreenda que o desvio foi intencional e não que se trata de ignorância.
Nesta ordem de ideias, poder-se-ia aceitar sem objeções um texto do tipo: «A nova procuradora Joana Marques Vidal”» [há agora aqui um sublinhado para o duplo sentido da palavra; e repare-se que também há diferença entre «nova procuradora» e «procuradora nova», ou seja, a palavra poderia até ter um triplo sentido...].
Com estas subtilezas que a língua tem, apetece parafrasear o saudoso Vate, que tanta falta nos faz hoje: «Esta é a ditosa língua...»...