« (...) Como quem diz, é uma maneira subtil e cautelosa de alguém prever o futuro sem se comprometer. Os políticos [em Portugal] são especialistas. Por exemplo, [o primeiro-ministro] António Costa... (...)»
«Eu diria que...» é expressão que [em Portugal] pegou e entrou na moda. Desde há que tempos, é erudita e de bom tom em discursos, considerações e comentários de políticos, governantes, comentadores, intelectuais e gente da Cultura, sobretudo quando falam na TV ou perante um auditório. Não consta que o pessoal do Desporto e até do Espectáculo tenha aderido ao «eu diria que...». Muito menos o povo anónimo e prático, que nunca se lembra de utilizar expressões do tipo «eu diria que vai haver eleições» ou «eu diria que vai chover!».
O «eu diria», segundo as regras do português, é o presente do condicional e, neste modo, é frequentemente considerado como um tempo do indicativo a aproximar-se do futuro ¹. Confusos? Pode dizer-se que o «eu diria que...» é um condicional que exprime o irreal, um desejo ou a atenuação de uma afirmação.
Como quem diz, é uma maneira subtil e cautelosa de alguém prever o futuro sem se comprometer. Os políticos são especialistas. Por exemplo, [o primeiro-mistro] António Costa, questionado a 5 de Outubro sobre o diálogo com os outros partidos sobre o Orçamento 2022, considera que «está a correr», e acrescenta o inevitável «eu diria que está a correr bem!». Em matéria de «eu diria que...», Rui Rio é useiro e vezeiro, também em matéria de Orçamentos.
Na discussão para o OE de 2021, já ele dizia sobre [António] Costa: «Diz ele que este Orçamento é o melhor que apresentou: eu diria que nem é o melhor nem o pior, antes pelo contrário». Até os comunistas se rendem à expressão. João Oliveira, em Abril, comentava: «Eu diria que a discussão para o Orçamento 2022 partirá de uma base menos difícil» do que a do ano anterior. Lançado no elogio aos abonos e apoios às famílias no Orçamento PS, o ministro das Finanças, João Leão afiançou solenemente: «Eu diria que é um pacote muito ambicioso, eu diria o mais ambicioso de sempre».
Já um optimista José Luís Carneiro acreditava em Julho: «Eu diria que há condições muito claras para que possa haver uma convergência plena das forças que têm suportado as opções políticas para o país».
Quanto a Marcelo [Rebelo de Sousa], não há registo de um qualquer recente «eu diria que...» sobre o Orçamento. Mas, sobre a evolução da pandemia, não resistiu a comentar em Abril: «Todos os dias eu olho, o primeiro-ministro olha, a senhora ministra da Saúde olha e o Governo olha para os números e para a incidência. É uma análise que é feita todos os 15 dias, eu diria mesmo todos os dias». Análise espacial e temporal de Marcelo nesta época de muitos e muitos «eu diria que...» Quem diria que o Orçamento e a pandemia haviam de dar no que deram!
¹ N. E. – Na terminologia gramatical usada em Portugal – tanto no Dicionário Terminológico (2009), como antes, na Nomenclatura Gramatical de 1967 –, o condicional é um modo que se distingue do indicativo, do conjuntivo e do imperativo, e compreende duas formas: simples (diria, também chamado presente do condicional) e composta (teria dito, também denominado pretérito do condicional). No Brasil, de acordo com a Nomenclatura Gramatical de 1959, não se fala de condicional, mas, sim, de futuro do pretérito, que pode ser simples (diria) ou composto (teria dito). Quanto aos valores modais do condicional, de que se fala no texto, o desejo não será um valor comum: na verdade, quando se afirma «eu gostaria», a intenção é sobretudo a de atenuar a asserção.
Crónica do autor publicada na revista dominical do Correio da Manhã, do dia 31/10/2021, escrita segundo a norma ortográfica de 1945.