Na azáfama da vida quotidiana tropeçamos, por vezes, em palavras que são o reflexo na língua da evolução da realidade e das mudanças sociais. Num destes dias, enquanto ouvia um programa de rádio, surgiu na conversa a palavra embaixadora. A minha reação natural a tal vocábulo foi de estranheza, uma vez que sempre tive a ideia de que a forma clássica feminina do nome embaixador seria embaixatriz. Na verdade, é comum pensar-se que o termo embaixatriz tanto se poderia usar para designar a mulher do embaixador como aquela que está à frente de uma embaixada. Há casos na língua portuguesa em que isso acontece, como, por exemplo, com a palavra imperatriz, que se utiliza tanto para referir a «esposa de um imperador» como «uma soberana que governa um império» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa), como foi o caso de Catarina, a Grande, imperatriz da Rússia ou da Rainha Vitória do Reino Unido, imperatriz da Índia. Contudo, a situação do feminino de embaixador é singular na língua e diferente do que se verifica com a palavra imperatriz, na medida em que embaixatriz e embaixadora estão ambas registadas na grande maioria dos dicionários da língua portuguesa. Isto leva, então, à questão de saber em que contextos se usa uma ou outra?
Durante muito tempo, a carreira diplomática estava vedada ao género feminino, isto é, não era permitido que as mulheres desempenhassem cargos de representação dos seus estados ao mais alto nível. Porém, felizmente, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, e, atualmente, são várias as mulheres que exercem este tipo de cargo. Portanto, quando as mulheres passaram a ocupar lugares diplomáticos, houve a necessidade de distinguir entre a esposa do embaixador, que muitas vezes acompanha o marido nas suas deslocações, da senhora que é chefe de uma embaixada. Deste modo, convencionou-se que embaixatriz designa apenas «a mulher do embaixador» (Infopédia) e embaixadora «a representante, no grau mais elevado, de um Estado junto de outro» (Infopédia). Todavia, o mesmo não se verifica com o feminino da palavra cônsul, igualmente pertencente ao campo lexical da diplomacia, visto que consulesa tanto serve para denominar «a mulher do cônsul» como um indivíduo do género feminino «que desempenha funções de cônsul» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa).
O português não é a única língua em que o feminino de embaixador tem duas formas. Também em francês, língua aliás da qual provém o termo português embaixador, se verificam duas possibilidades para o feminino de ambassadeur: «madame l’ambassadrice» ou «madame l’ambassadeur». Contudo, contrariamente ao que acontece em português, a expressão «madame l’ambassadrice», segundo o Dictionnaire de L’Académie Française, tanto designa a esposa de um embaixador como uma mulher chefe de uma missão diplomática. Já «madame l’ambassadeur» consiste numa preferência generalizada de tratamento em francês de muitas mulheres que exercem cargos diplomáticos. Além do mais, no Dictionnaire de L’Académie Française, na definição do termo ambassadeur, é usada a palavra pessoa (personne, em francês) quando se menciona que esta palavra descreve quem exerce um cargo diplomático, abrindo assim espaço para que este vocábulo se aplique tanto a homens como mulheres.
Atualmente, a palavra embaixadora extravasa a área mais tradicional da diplomacia e é também comummente usada para referir uma pessoa encarregada de uma missão particular ou mensagem, isto é, alguém que é «emissário, mensageiro» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa). Exemplo disto são os casos das Embaixadoras da Boa Vontade das Nações Unidas, título honorífico, atribuído a quem defende uma causa específica com base na sua notoriedade. Geralmente, são funções desempenhadas por celebridades, conhecidas pelas funções que desempenham em áreas como as artes, a cultura ou a política que, a par das suas profissões, realizam missões que promovem a defesa de uma causa específica, como por exemplo, o acesso à educação, o acolhimento de refugiados ou ações associadas às causas das alterações climáticas. São conhecidas Embaixadoras da Boa Vontade, a atriz norte-americana Angelina Jolie, a apresentadora portuguesa Catarina Furtado e a modelo brasileira Gisele Bundchen.
No fundo, o invulgar caso das palavras embaixatriz e embaixadora é uma demonstração de que a subtileza pode ser uma característica importante numa língua.