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A língua talian
A língua talian
Património cultural imaterial e referência cultural do Brasil

«[...] [O] que hoje conhecemos como Itália era um conjunto de pequenos Estados submetidos a potências estrangeiras, nos quais se falavam línguas e dialetos diversos.»

 

Recebi esta semana dois maravilhosos livros vindos do Brasil: Talian par Cei e Grandi – Gramàtica e Stòria (TCG. “Talian para Pequenos e Grandes  Gramática e história”), publicado em 2020, e Dissionàrio Talian Brasilian (“Dicionário de Talian-Português do Brasil”), publicado em 2023. 

 

De acordo com o breve histórico da língua talian  apresentado em TGC, ela resultou da koineização dos vários dialetos falados pelos migrantes que, entre 1875 e 1912, participaram da primeira grande onda migratória italiana para o Brasil, i.e., do processo de modificação mútua de vários dialetos de uma mesma língua, chegando a uma língua comum, que é a koiné.

Importa ter em conta que, ao contrário de Portugal, a maioria dos países europeus que hoje conhecemos (como a Alemanha, a França ou a Itália) foram, até há relativamente pouco tempo, territórios que se caracterizavam por grande diversidade linguística, que se foi desvanecendo no decurso dos processos de unificação nacional e, posteriormente, de escolarização maciça na língua do estado. O Risorgimento italiano, que decorreu entre 1815 e 1870, teve como consequências, entre outras, a unificação da Itália e a assunção do italiano como língua do novo Estado-nação; até então, o que hoje conhecemos como Itália era um conjunto de pequenos Estados submetidos a potências estrangeiras, nos quais se falavam línguas e dialetos diversos.

 

Os migrantes italianos acima mencionados (1875-1912) provinham de diferentes regiões italianas e falavam línguas e dialetos diferentes, mas foram primeiro irmanados nas longas viagens de navio entre o Velho e o Novo Mundo e depois distribuídos aleatoriamente por diferentes regiões rurais, sobretudo dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Estes fatores terão dado origem à koiné que constitui o talian, língua franca destes imigrantes italianos, com influências de outras línguas com que entrou em contacto, nomeadamente o português e o italiano. Do ponto de vista linguístico, o talian tem por base a língua véneta, da região do Véneto, um conjunto de dialetos do ramo das línguas românicas ítalo-ocidentais, pertencente ao subgrupo galo-românico do grupo galo-ibérico (juntamente com o catalão e o francês).

O reconhecimento oficial do talian  cuja denominação foi alternando entre «dialeto véneto» e a consagrada talian conheceu várias etapas, de entre as quais se destacam: 

1) em 1989, o Primeiro Encontro de Escritores de Talian, em Porto Alegre, com o objetivo de discutir a padronização da ortografia;

2) em 1993, o I Encontro de Meios de Comunicação Vénetos do Brasil, em Serafina Corrêa, Município do Rio Grande do Sul, durante o qual se formou um Grupo de Estudo para a Unificação Ortográfica do talian;

3) em 1994, no mesmo local, foi apresentado o resultado do trabalho de unificação ortográfica, através do livro de Darcy Loss Luzzatto, Talian (Vêneto Brasileiro), assim como do abecedário do talian, Adesso Imparemo;

4) em 2010, foi instituído no Brasil, pelo Decreto n.º 7387, o Inventário Nacional da Diversidade Linguística;

5) o talian foi incluído neste inventário, como Património Cultural Imaterial, em 9 de setembro de 2014;

6) por fim, a língua talian foi reconhecida, a 10 de novembro de 2014, como Referência Cultural Brasileira pelo Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e pelo Ministério da Cultura.

Cumprem-se, portanto, dez anos do reconhecimento oficial do talian e a data merecerá, decerto, importantes comemorações.

Ficamos a aguardar notícias.

Fonte

Artigo publicado no Diário de Notícias em 13/05/2024.

Sobre a autora

Margarita Correia, professora  auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa e investigadora do ILTEC-CELGA. Coordenadora do Portal da Língua Portuguesa. Entre outras obras, publicou Os Dicionários Portugueses (Lisboa, Caminho, 2009) e, em coautoria, Inovação Lexical em Português (Lisboa, Colibri, 2005) e Neologia do Português (São Paulo, 2010). Mais informação aqui. Presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) desde 10 de maio de 2018. Ver, ainda: Entrevista com Margarita Correia, na edição número 42 (agosto de 2022) da revista digital brasileira Caderno Seminal.