Por estes dias, tem saltado à vista a invocação de aura em dois contextos distintos: de um lado, José Mourinho («tem uma aura de messias», em A Bola ou «Mourinho perdeu a aura?», em Mais Futebol); do outro, vindo do Ministro da Educação, no discurso político sobre professores («Alguém que anda em manifestações perde toda essa aura, em Público»). A pergunta que se coloca é então: qual o alcance desta palavra no português contemporâneo? E quais os sentidos ou valores que ela transporta, além do literal?
A palavra aura chegou até nós com raízes antigas: vem do latim aura, ae («vento brando, brisa, o ar, sopro, hálito, brilho, fulgor»), que por seu turno recupera o grego aúra, as («brisa que vem de um curso de água ou do mar, ar fresco da manhã, e, por extensão, vento em geral, sopro, odor») (Dicionário Houaiss). No português moderno, o Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, enumera sentidos diversos: «vento brando e ameno; fenómeno ou sensação que precede e prenuncia certas crises (epiléticas, histéricas, asmáticas); no ocultismo, irradiação luminosa, espécie de halo que envolve os corpos, visível aos iniciados; atmosfera imaterial que envolve ou parece envolver certos seres (aura vital); e estima pública».
Ou seja, aura sempre foi algo leve e intangível, como um sopro ou sensação que nos rodeia. Hoje, o dicionário mantém essa ideia: é um halo ou atmosfera que circunda alguém, percebido apenas por certos sentidos, seja no plano físico ou figurativo. Essa invisibilidade – aura como algo que se sente mais do que se vê – torna a palavra ideal para usos simbólicos: prestígio, influência, autoridade, carisma.
Partindo destes sentidos, podemos agora observar como aura é utilizada nos contextos recentes que motivaram esta reflexão. No título de A Bola lê-se: «Mourinho tem uma aura de messias à volta dele que o torna claramente especial». Aqui, aura funciona como metáfora de poder quase sacramental: messias sugere não apenas liderança, mas presença simbólica magnética. O halo que surge em volta do treinador confere-lhe algo de lendário. A aura é, portanto, apresentada como uma espécie de entidade quase divina. Note-se, porém, que mesmo quando se se questiona se «Mourinho perdeu a aura?», o que se pretende indicar é a perda desse estatuto simbólico ou quase divino, e não a negação total do seu prestígio ou carreira.
Já no contexto político, o uso de aura assume um sentido diferente, embora igualmente simbólico. Diz-se que manifestar-se implica perder prestígio ou respeito – como se a aura da profissão fosse algo frágil, dependente de não manchar a reputação com exposição pública. Portanto, aqui, aura funciona como reputação ou prestígio que podem ser perdidos.
Ainda assim, ambos os usos – no futebol e na política – convergem: aura representa presença simbólica, esfera de influência invisível, poder de atração. Divergem, porém, no valor atribuído: no caso de Mourinho, aura é algo que se adquire e celebra; no caso dos professores, é algo que se pode perder.
Há, portanto, uma tensão interessante: aura permite elogio e censura simbólica, dependendo de quem a detém e de quem a julga. Além disso, em ambos os contextos, funciona bem no discurso público porque, com poucas palavras – «tem aura» ou «perdeu aura» –, transmite imediatamente todo o conjunto de sentidos ligados a prestígio, respeito ou influência.