« (...) Também os emigrantes encontram lugar nas preocupações [do Chega] com a Língua Portuguesa. (...)»
Até 10 de março [dia da votação das legislativas em Portugal], proponho uma leitura de alguns programas eleitorais, focando como abordam a Língua Portuguesa e outras questões linguísticas. Parecerá exercício fútil, mas o que se diz e não se diz sobre questões linguísticas não é assunto menor em política.
Começo pelo programa do Chega, escrito segundo a norma ortográfica de 1945, onde a Língua Portuguesa está, antes de mais, ligada à questão da imigração, sendo brandida como condição sine qua non para obter a nacionalidade, viver e trabalhar em Portugal: para a aquisição da Nacionalidade Portuguesa, o conhecimento da língua, a par do da História e da Cultura, é imprescindível (p. 51); a integração dos imigrantes deverá ser facilitada “através de um acompanhamento mais aproximado das pessoas que chegam ao nosso país [?] (…) e pela disponibilização de “ensino de Português língua não-materna e de História e Cultura de Portugal” (p. 51); deve garantir-se que os condutores de TVDE, “compreendem e falam a Língua Portuguesa” (p. 114).
Também os emigrantes encontram lugar nas preocupações com a Língua Portuguesa, propondo-se: (p. 64) “Incluir o ensino de História de Portugal gratuito no estrangeiro para crianças e jovens Portugueses e Lusodescendentes [sic] e criar um programa online de aprendizagem de Português no estrangeiro” [já há vários…] e (p. 155) “Assegurar uma rede de ensino gratuito do Português como língua materna destinada às crianças e jovens portugueses e lusodescendentes [sic] residentes no estrangeiro, assim como da História de Portugal”. Notável a insistência na “História e Cultura [exclusivamente] de Portugal”. O partido fornece uma definição de “CULTURA” [sic], na qual a língua é mencionada como parte do Património Imaterial (p. 136). A referência ao facto de a Língua Portuguesa não ser exclusiva do país surge, de novo associada à emigração, com a proposta de “Desenvolver o espaço lusófono [sic], promovendo a sustentabilidade das ligações ao mundo lusófono [sic] e o seu papel preponderante a nível mundial, bem como as conexões às diferentes comunidades portuguesas inseridas nos Países de Língua Oficial Portuguesa” (p. 161). A CPLP é mencionada três vezes no texto, duas para propor a revogação do seu programa de mobilidade (p. 51) e uma em declaração sobre o papel das Forças Armadas (p.148).
O texto ocupa-se ainda da questão linguística na Educação: para “Reconhecer à família o seu papel central na educação dos filhos, assim como também assegura [sic] aos filhos dos emigrantes o ensino gratuito da Língua Portuguesa” (p. 173) e para “Apostar na educação tecnológica desde o Ensino Primário com cursos de introdução à Economia Digital, nomeadamente cibersegurança, Inteligência Artificial, programação e blockchain [assim, sem itálico], a par de melhorias no ensino do Inglês (…)” (p. 71).
Será caso para dizer que o Português é a língua do passado e do ranço, ao passo que o Inglês é a chave para o futuro à la Orwell. A língua gestual portuguesa fica reduzida a questão de “crianças e jovens com necessidades educativas especiais” (p. 45) e a mirandesa nem é mencionada, apesar de ambas terem reconhecimento oficial desde o século XX. Também as línguas maternas dos imigrantes estão ausentes, mas propõe-se: “Valorizar o Ensino Doméstico e/ou Familiar [sic], eliminando a excessiva burocracia e tentativa de limitação da liberdade dos pais (…)” (p. 90).
A forma de abordagem das questões linguísticas espelha com nitidez o âmago do pensamento político de quem escreveu este programa eleitoral.
Crónica da linguista e professora universitária portuguesa Margarita Correia, transcrita, com devida vénia, do Diário de Notícias de 19 de fevereiro de 2024.