« (...) Não haverá formas de "promover o reconhecimento internacional da língua" mais exequíveis e menos onerosas? (...)»
Para o Pessoas-Animais-Natureza [PAN], «Questões como o acesso a dados confidenciais, formas de comunicação e linguagem, falta de tradutores em LGP [língua gestual portuguesa] para pessoas surdas (…) são apenas alguns exemplos de onde é necessário investir» (p. 51). Para lutar contra a discriminação e a violência, propõe-se «Adotar linguagem (…) (não discriminatória em função do sexo/género) em todos os documentos oficiais» (p. 82). Defende-se «Acessibilidade em todos os serviços públicos com respostas de vídeo-interpretação em [LGP]» (p. 96); a promoção da «aprendizagem básica da [LGP] nas comunidades educativas» e a criação de «uma bolsa nacional de tradutores/as e intérpretes em LGP disponível para todos os organismos públicos» (p. 118). Na educação, pretende-se «Assegurar os direitos de alunos lusodescendentes e professores portugueses no ensino de língua portuguesa no estrangeiro» (p. 117) e, adiante, «Apoiar o ensino, presencial e à distância, da língua do país de destino [sic], bem como da língua materna para as comunidades com inscrições gratuitas» (p. 171). Visa-se, ainda, «Criar uma bolsa nacional de intérpretes (…); assegurar a tradução dos conteúdos dos sites da internet de entidades públicas para as principais línguas (…) dos/das habitantes estrangeiros/as; garantir o acesso ao ensino de português língua não-materna para imigrantes e refugiados/as» (p. 173). Mirandês e barranquenho não constam do documento.
O programa do Partido Socialista 2024 é mais enxuto do que o de 2022 e não traz novidades. Está organizado em cinco “Missões” e as questões linguísticas ocorrem sobretudo na 2.ª (“Um estado social forte, moderno e inclusivo”, pp. 52-76) e 5.ª («Um Portugal central na Europa e no Mundo», pp. 130-140). Na “2.ª Missão”, são referidos os objetivos de estimular a entrada no país de estudantes não nacionais sobretudo do espaço CPLP (p. 45) e de «proteger o património linguístico minoritário, designadamente o mirandês e barranquenho, (…) concluindo a ratificação da carta europeia das línguas regionais e minoritárias [sic]» (p. 74); promete-se a «revisão do funcionamento do ensino do Português Língua Não-Materna [PLNM]», de modo a garantir «uma formação intensiva em língua portuguesa que permita um bom acompanhamento do currículo» (p. 69), proposta que fazia já parte do programa de 2022. Na política externa (5.ª Missão), afirma-se que «A língua portuguesa é um fator de comunidade, fraternidade e cooperação com os vários países lusófonos» (p. 130), realçam-se a ligação à CPLP e ao IILP, o ensino e a qualificação em português, insiste-se em protocolos para integrar o português nos currículos de outros sistemas de ensino e na criação de Cátedras e Leitorados. Tudo fica mais uma vez centrado no Camões I.P., de cujas atividades não se conhecem dados desde 2011 e cujas competências vêm progressivamente crescendo. Propõe-se abolir a propina de acesso ao EPE (medida contra a qual o partido votou no final de 2022) e alargar a rede (p. 137). Outras questões linguísticas são associadas ao reforço dos serviços do Estado (3.ª Missão).
O programa da Aliança Democrática é totalmente dedicado à língua portuguesa, com exceção de «Promover a inclusão do ensino do inglês desde o 1.º ano de escolaridade» (p. 12). LGP, mirandês e barranquenho não são referidos. O capítulo “Com ambição” (pp. 10-22) inclui “Educação e Formação” e nele abundam verbos como rever (8 vezes), redefinir (3), reestruturar (2), substituir (1), alterar (1); propõe-se «Reforçar os meios para o ensino do "Português Língua Não Materna", considerando o aumento do número de estudantes estrangeiros em Portugal [sic]» (p. 13). Promete-se «Fomentar a aprendizagem da língua portuguesa e o conhecimento da cultura portuguesa por parte dos imigrantes» (p. 68) e, ainda, «Estimular a promoção e o ensino da língua portuguesa nos sistemas educacionais dos países lusófonos [sic], incentivando intercâmbios académicos e a criação de programas conjuntos que fortaleçam a língua como ferramenta de comunicação e expressão [sic]» (p. 94). A grande aposta para a língua é «Promover a candidatura da língua portuguesa como Língua Oficial da ONU, no horizonte até 2030 [sic]» (p. 91), proposta tão surpreendente quanto, em 2022, o programa do PSD afirmava que «A tentativa da uniformização ortográfica não constituiu qualquer vantagem face ao mundo globalizado» (p. 112) e o CDS e o PPM terem sido sempre contra essa uniformização, imprescindível, porém, à inclusão do português na ONU – v. The Portuguese language in the United Nations – framing policy design (A língua portuguesa nas Nações Unidas – desenho da política de enquadramento), IJSL 2013; 224: 1-23.
O objetivo é retomado na p. 93 – «Promover o reconhecimento internacional da língua portuguesa: apoiar ativamente a elaboração e implementação de uma estratégia concertada junto da CPLP para que o português seja reconhecido como língua oficial da ONU até 2030, promovendo a língua como um veículo eficaz de comunicação global [sic]».
Perante tal proposta, deixo sete perguntinhas e um pedido: 1) Não haverá formas de «promover o reconhecimento internacional da língua» mais exequíveis e menos onerosas? 2) Vão Portugal e Brasil arcar com todos os custos do português na ONU? 3) Irão os nove (9) Estados-membros da CPLP concertar-se para atingir esta meta, se até hoje nunca o fizeram para levar a cabo nenhuma ação concreta de planificação linguística? 4) Irão alguns Estados-membros, que não cumprem os encargos financeiros com a CPLP, empenhar-se em participar deste esforço? 5) Menos de seis anos (2024-2030) será um prazo realista para a empresa? 6) Será a CPLP capaz de a executar? 7) Sabe-se como as atuais línguas de trabalho e oficiais da ONU foram integradas? Peço à AD que, pela sua e nossa saúde, reveja esta proposta ou a esqueça.
[Ver "As questões linguísticas nos programas eleitorais dos partidos (1)"]
Cf. Margarita Correia: As reformas ortográficas não são feitas para os velhos. São feitas para o futuro.
Crónica da professora universitária e linguista Margarita Correia transcrita, com a devida vénia, do Diário de Notícias de 4 de março de 2024.