A relevância do português tal como é falado em Portugal está ameaçada, e o século XXI pode marcar o ponto de viragem, com a variante falada no Brasil a transformar-se em língua de direito próprio, com espaço privilegiado nas instâncias internacionais.
Esta é uma das mensagens que têm passado no 6.º Colóquio da Lusofonia [que decorreu em Bragança, de 3 a 6 de Outubro p. p.]. [Estiveram] presentes especialistas da língua, como Malaca Casteleiro, da Academia das Ciências de Lisboa, e Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras. Na opinião de Malaca, expressa na sessão de abertura, os receios de que se acentue o domínio brasileiro têm levado as autoridades portuguesas a entravar o acordo ortográfico com os países lusófonos. Essa falta de vontade política também foi assinalada por Evanildo Bechara, para quem seria essencial assegurar a unificação ortográfica do português, tal como sucede com o francês, o espanhol ou o árabe.
No domínio da fala, cada país poderá e deverá manter os seus particularismos linguísticos. Parte substancial das comunicações vai lançar pontes de discussão sobre o futuro da língua portuguesa no novo século, sem ignorar algumas constatações prévias, como a circunstância de os governos brasileiros terem adoptado políticas muito agressivas de afirmação da variante do português falado no Brasil. Como assinala Chrys Chrystello, da comissão organizadora, «há neste momento o risco real de perdermos grande parte dos leitorados de português europeu existentes no mundo, devido às políticas muito activas desenvolvidas pelo Brasil».
Sinal da indiferença das autoridades portuguesas perante esta questão é, segundo Chrystello, «o facto de o Ministério da Educação não considerar este evento relevante para a formação de professores, forçando a reformulação dos horários do colóquio». Como resultado desta atitude, «os docentes do ensino secundário não tiveram autorização para participar durante o período lectivo».
O contraste brasileiro é flagrante, com os académicos a receberem apoios formais do Governo para se deslocarem a Portugal. Além disso, haverá uma representação oficial do Brasil, tal como de Angola e Moçambique. Às autoridades portuguesas, diz Chrystello, «tem sido pedido que pelo menos venham observar a dedicação das pessoas que abdicam de qualquer remuneração e do seu tempo para trabalharem neste colóquio».
Um dos grandes projectos desta iniciativa é o relançamento das bases para a elaboração do Grande Dicionário Contrastivo da Língua Portuguesa, com inclusão das variantes das comunidades emigradas. A ideia deste dicionário nasceu da constatação de que não existe um dicionário de regionalismos açorianos. E estão já 30 especialistas a trabalhar no projecto.
in Expresso de 5 de Outubro de 2007