«O Governo brasileiro está solidamente comprometido com o Acordo Ortográfico, não cogita promover retrocessos e não admite a reabertura de negociações sobre o seu texto», escreve neste artigo, publicado no “Diário de Notícias” de 9 de outubro de 2013, o embaixador do Brasil em Lisboa, desmentindo o que, recorrentemente, vem sendo veiculado pelos dinamizadores da Petição pela Desvinculação de Portugal do Acordo Ortográfico de 1990.
Constato que em Portugal há algumas resistências ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AOLP), firmado em Lisboa, em 1990, pelos países membros da CPLP. A petição pela desvinculação do País ao Acordo Ortográfico, submetida, segundo informou a imprensa, à Assembleia da República, é mais uma das manifestações dessa oposição, baseada, entre outros motivos, na interpretação equivocada de que o Governo brasileiro, por meio de recente ato legislativo, estaria expressando dúvidas quanto à implementação do Acordo. De modo a contribuir para o debate, e com vista a evitar percepções incorretas sobre o comprometimento de nossos governos, é essencial proceder a um esclarecimento dos factos.
Em 2012, o Brasil aprovou a prorrogação, até 2015, do prazo de transição para adoção integral do AOLP. A intenção do Governo correspondeu a uma adequação dos prazos para torná-los compatíveis com a tarefa de adaptar a grafia do português em um país com 200 milhões de habitantes e com dimensões continentais. Ademais, procurou o referido ato ajustar o ritmo de implementação do AOLP ao compasso dos demais países da CPLP. Tratava-se de conceder mais tempo ao convívio entre as regras novas e antigas. As regras do Acordo Ortográfico já vigoram no Brasil, sendo amplamente utilizadas nos órgãos públicos, nas escolas, na imprensa e nas indústrias culturais.
Para o Brasil, o Acordo Ortográfico é um avanço nas relações entre os países da CPLP. No passado, houve uma indesejável bifurcação linguística entre as variantes portuguesa e brasileira do idioma — facto que levou à impossibilidade de interligarmos os nossos mercados editorais sem custos adicionais. O AOLP representa a convergência entre as expressões orais e escritas da língua portuguesa, conferindo novas ferramentas à difusão e ao ensino do idioma — o que significa dizer que livros, materiais didáticos e programas de educação à distância poderão ser reproduzidos sem os custos de adaptação do idioma a públicos diferentes.
A força da língua depende de sua difusão, de seu uso e de seu valor económico. Hoje, a comunidade lusófona reúne cerca de 250 milhões de pessoas e o português é uma das línguas mais faladas — a sexta no mundo, a terceira no Ocidente e a primeira no hemisfério Sul. A unificação da grafia permitirá potenciar a economia dos países lusófonos, os quais já atraem um número crescente de agente económicos.
A língua portuguesa, tradicionalmente uma língua das humanidades, vem-se tornando uma língua de ciência e tecnologia. Isto é uma realidade nas relações Brasil-Portugal graças ao aumento da cooperação académica e ao crescente intercâmbio em áreas de ponta como nanotecnologia, biotecnologia e energia. No campo industrial, destacam-se a cooperação em tecnologias aeronáuticas e na área da telefonia.
Porém, as diferenças linguísticas ainda criam entraves no ensino: aos alunos estrangeiros ora ensina-se o "português de Portugal", ora o "português do Brasil", com certificações de proficiência separadas, conferidas, respetivamente, pelo Instituto Camões, em Portugal, e pelo Ministério da Educação do Brasil. Com a unificação, será possível ampliar a cooperação no ensino da língua e fortalecer ações conjuntas para torná-la um idioma oficial em mais organismos internacionais.
Por esses e outros motivos, o Acordo Ortográfico é inegavelmente mais benéfico aos países lusófonos e auspicioso ao futuro da língua portuguesa do que a perpetuação de divergências no campo linguístico.
artigo publicado no “Diário de Notícias” de 9 de outubro de 2013.