Quando se aprende uma nova língua é comum estabelecer-se associações entre o conhecimento linguístico que já se possui e o novo que se está a adquirir. Por vezes, algumas destas correlações assentam no significado de palavras que partilham uma mesma etimologia e têm uma estrutura externa muito semelhante ou equivalente nas duas línguas, mas cujo sentido, no entanto, é completamente diferente. A isto chama-se comummente de «falso amigo», expressão usada no âmbito dos estudos linguísticos para referir unidades lexicais cognatas com diferente significação.
O aparecimento de um número relevante de falsos amigos ocorre sobretudo no contacto de línguas que têm uma origem comum como é o caso do português e do espanhol. No contacto entre estes dois idiomas, os falantes estabelecem muitas vezes correspondência de significado entre palavras que têm uma estrutura idêntica ou muito parecida, acreditando numa relação de amizade semântica que acaba por se revelar falsa. Um típico exemplo de um falso amigo entre o espanhol e o português encontra-se na relação entre embaraçada (português) e embarazada (espanhol). Dizer «estou embaraçada» significa sentir-se envergonhada, ao passo que «estoy embarazada» serve para referir o estado em que uma mulher se encontra quando engravida. Casos como este ilustram o conflito existente nos falsos amigos entre o significante da palavra (planos morfológicos, fonológicos e sintáticos) e o seu significado. Neste sentido, propomo-nos analisar alguns dos exemplos mais marcantes de falsos amigos entre o português e o espanhol.
Um hispanofalante que ouça um português referir «vou contar uma anedota» pode facilmente pensar que este vai relatar um episódio da sua vida ou uma breve história, na medida em que, em espanhol, é esse o sentido do termo anécdota. Todavia, anedota, em português, usa-se geralmente para mencionar uma pequena narrativa jocosa cujo fim provoca riso, ou seja, trata-se de uma piada, que em espanhol é chiste. Por outro lado, se um espanhol disser a um português «soy maestro», este poderá pensar que a profissão do seu interlocutor está relacionada com o universo das orquestras, visto que maestro, em português, se utiliza para referir um regente de orquestra. Contudo, em espanhol, a palavra maestro designa um professor da escola primária.
Também o par assinatura (português) / asignatura (espanhol), embora tenha uma estrutura interna parecida nas duas línguas, tem significados distintos. Em português, assinatura tem como sentido uma rubrica num documento (portanto, firma em espanhol), já asignatura usa-se para mencionar uma disciplina da universidade. Para além disto, existem igualmente termos que têm a mesma estrutura externa nas duas línguas, o que, por vezes, pode causar alguma confusão entre os falantes dos dois idiomas como, por exemplo, polvo, palavra que, em português, refere um molusco, mas, em espanhol, designa pó. Outro exemplo é o vocábulo seta que, na língua espanhola, significa cogumelo; no entanto, na língua portuguesa, seta é utilizado para descrever uma arma de arremesso em forma de haste aguçada e que se lança através de um arco ou flecha.
Os casos aqui exemplificados demonstram que um falso amigo pode ser de dois tipos: aqueles que contém semelhanças externas como o par anedota/anécdota e outros cuja estrutura externa é igual como maestro. Portanto, de acordo com Ana Margarida Silva e Guillermo Rodríguez Vilar, a identificação de um falso amigo deve ter em conta: i) as respetivas estruturas externas serem altamente semelhantes; ii) a existência de conflito semântica quer no contexto da fala quer em isolamento; iii) se a semelhança entre pares for fonética, ambas as realizações devem pertencer aos sistemas padrões de língua e iv) os diferentes significados devem proceder de uma primeira aceção ou de uma segunda significação suficientemente generalizada.