Sobre a razão de ser dos Programas e Metas Curriculares na disciplina de Português dos ensinos básico e secundário, em vigor em Portugal desde o ano letivo de 2015/2016, transcrevemos com a devida vénia este artigo de Maria Regina Rocha, coautora dos referidos documentos (consultar aqui e aqui), saído no jornal Público em 12/04/2016. Texto escrito conforme a norma ortográfica de 1945.
Nos últimos anos, a palavra metas tem dominado o discurso dos professores, sobretudo desde o momento em que este termo passou a estar associado aos programas, nomeadamente aos de Português: Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico e do Ensino Secundário [em Portugal]. Mas, neste contexto, afinal, o que são objectivos e metas?
É sabido que, com a formulação de objectivos, se descreve de uma forma genérica o que se pretende que seja atingido e que, com a formulação de metas, se especifica, se concretiza, se definem etapas, se marca o tempo, se mede (no caso de ser mensurável) a realização pretendida.
No que diz respeito ao ensino, as metas são, assim, constituídas por descritores de desempenho que apresentam precisamente as realizações que o aluno deverá revelar no final de cada ano lectivo, para que o professor, os pais e o próprio aluno saibam que a aprendizagem se está a concretizar.
Especificando, no caso do Português, por exemplo, no 2.º ano, correspondente ao objectivo 8 («Compreender o essencial dos textos escutados e lidos»), são enunciados vários descritores de desempenho, de que se transcrevem três: «Antecipar conteúdos com base no título e nas ilustrações», «Interpretar as intenções e as emoções das personagens de uma história» e «Fazer inferências (de sentimento – atitude)». Para esta faixa etária, considera-se, então, que uma criança com um desenvolvimento cognitivo dentro da média e um ensino adequado deverá ser capaz de, até ao final do ano lectivo:
– ao ler o título do texto, ou ao analisar a ilustração, formular algumas hipóteses coerentes sobre o conteúdo do texto que vai ler;
– ao observar o que é referido sobre uma personagem (descrição do aspecto, atitudes, etc.), saber dizer o que é que a personagem pretende ou como é que ela se sente;
– ao observar o comportamento de uma personagem, compreender o que ela está a sentir (por exemplo, se a personagem bate palmas espontaneamente ao receber uma notícia, o que é que ela estará a sentir?).
Estes três descritores de desempenho não são mais do que metas por meio das quais se especifica o que o aluno deve revelar para mostrar que está «compreender o essencial de um texto» (o objectivo acima referido).
No ensino, as metas caracterizam-se, então, como desempenhos
1) protagonizados pelo aluno;
2) até ao final do ano lectivo a que dizem respeito;
3) formulados de forma específica, objectiva, clara;
4) realistas, isto é, alcançáveis, mas simultaneamente algo desafiadores; e
5) mensuráveis, ou seja, que podem, de algum modo, ser medidos ou avaliados qualitativa ou quantitativamente.
Como foi questionada, num ou noutro artigo de opinião, a validade das metas que indicam velocidade de leitura, talvez valha a pena esclarecer este assunto.
Por exemplo, no 1.º ano de escolaridade, respeitante ao objectivo 7 («Ler textos em voz alta»), entre outros descritores de desempenho surge o seguinte: «Ler um texto com articulação e entoação razoavelmente corretas e uma velocidade de leitura de, no mínimo, 55 palavras por minuto.»
Para se compreender bem o valor e a importância deste descritor de desempenho, deverá referir-se que a necessidade de que o aluno leia com fluência é consensual entre os especialistas em aprendizagem da leitura, havendo diversos artigos, nacionais e estrangeiros, em que se especifica o número mínimo de palavras a ler por minuto em cada um dos anos de escolaridade. Um aluno deverá adquirir o automatismo da leitura adequado ao seu nível etário, mediante um ensino adequado. Por exemplo, há mais de uma década já se divulgavam em Portugal estudos (bem anteriores) que salientavam essa necessidade imperiosa de ensinar a ler com velocidade, explicando-se que «A fluência de leitura, ou seja, a precisão e rapidez na descodificação, constitui um dos factores responsáveis pela compreensão daquilo que é lido, sendo determinante não apenas nas fases iniciais de aprendizagem da leitura, mas continuando a assumir um importante papel na compreensão, mesmo para os leitores não principiantes. (...) São a rapidez e precisão na descodificação que determinam a compreensão, e não o contrário»1.
Acrescente-se que a fluência de leitura é a ponte entre a leitura e a compreensão, sendo avaliada por três indicadores: a velocidade (número de palavras por minuto), a precisão (ausência de erros) e a prosódia (cadência, entoação, ritmo). Um aluno fluente lê com desembaraço, com entoação adequada, com ritmo e cadência, sem errar, gaguejar ou silabar.
Há, pois, momentos para o aluno adquirir velocidade na leitura, outros para treinar a precisão e a prosódia, outros, ainda, para, lentamente, reler o texto e fazer exercícios de compreensão; e nada disto é incompatível, mas, sim, complementar.
E é fundamental que o professor e os pais tenham plena consciência de que, se um aluno não tiver velocidade de leitura, isto é, se não ler de forma automática (se soletrar, por exemplo), não lê verdadeiramente, não é capaz de estudar, e que isso comprometerá as suas aprendizagens futuras, visto que a maior parte do conhecimento escolar advém da leitura, do estudo.
O alcance desta meta até pode ter o contributo dos pais, que podem pedir ao filho que todos os dias lhes leia durante um minuto uma passagem de um texto (adequado ao seu nível etário, como é lógico). Testemunhos que nos chegam revelam que crianças assim estimuladas estão cada vez a ler com mais rapidez e melhor. O que importa é que, no final do ano, a criança seja capaz de ler aquele mínimo de palavras indicado. Se tal não acontecer, isso deverá suscitar um alerta no professor e nos pais (A criança vê bem? Ouve bem? Articula bem?...), de modo a que haja uma solução atempada para o eventual problema.
Quanto à questão, também por vezes levantada, sobre o que deverá acontecer se o aluno não atingir uma das metas, ela não é muito compreensível, pois, como no 1.º ano de escolaridade há 69 descritores de desempenho (a trabalhar em sensivelmente 230 tempos lectivos previstos para o Português), claro que o aluno, à semelhança do que acontece em qualquer tipo de avaliação, não fica retido se não revelar um dos desempenhos previstos...
Concluindo, os novos documentos programáticos da disciplina de Português, quer no Ensino Básico quer no Ensino Secundário, contêm, pois, directrizes que estabelecem, de forma clara e precisa, os desempenhos que, por princípio, os alunos devem evidenciar em cada ano de escolaridade. Assim, os professores e os pais sabem o que se espera dos alunos e poderão ajudá-los na sua aprendizagem, pois têm ao seu dispor referenciais exactos de ensino e de avaliação, que são, precisamente, as metas.
1 Snow, Burns and Griffin (1998), Preventing reading difficulties in young children, citados por Inês Sim-Sim, Ler e Ensinar a Ler (2006), p. 53.