Porque há pessoas que mudam de pronúncia e outras não - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Porque há pessoas que mudam de pronúncia e outras não
Porque há pessoas que mudam de pronúncia e outras não
A explicação de uma especialista

 «Com pessoas que mudam de sotaque, a maneira de falar pode ser menos importante para o sentimento de identidade, e pode ser mais premente a identificação com um grupo social ou profissional

 

1539678462731_Falar1.pngA maneira de falar de um indivíduo é parte intrínseca da sua identidade. É uma marca tribal, identificando o falante como membro deste ou daquele grupo social. A pronúncia tanto é sinal de pertença como algo que separa comunidades.

No entanto, todos nós podemos provavelmente pensar em exemplos de pessoas que parecem ter “perdido” a sua pronúncia regional ou nacional e de outras cujo sotaque permanece estável.

Dada a importância pessoal e social da maneira de falar, porque haveria alguém de mudar de pronúncia?

Podemos pensar na nossa pronúncia como uma parte física de quem somos – mas um desejo consciente ou subconsciente de integração pode influenciar a maneira de falar, queiramo-lo ou não. A investigação mostra que a pronúncia individual se aproxima do grupo de falantes com o qual uma pessoa se identifica em dada fase da sua vida. As pronúncias regionais e os sotaques são uma característica fluida da fala. Se alguém, por exemplo, se mudar da Austrália para os Estados Unidos para trabalhar, é provável que, pelo menos, modifique o sotaque, consciente ou inconscientemente.

Trata-se de uma mudança que pode ocorrer por necessidade ou desejo de ser mais claramente compreendido e aceite numa nova comunidade. As pessoas também podem querer evitar o ridículo por causa da maneira como falam. Mais de um quarto dos profissionais seniores da classe trabalhadora no Reino Unido são discriminados no trabalho por causa do sotaque.

Um sentimento de pertença

Com pessoas que mudam de pronúncia, a maneira de falar pode ser menos importante para o sentimento de identidade, e pode ser mais premente a identificação com um grupo social ou profissional.

Mesmo antes de nascer, somos expostos aos padrões de fala das pessoas ao nosso redor. Vários estudos com recém-nascidos revelam que o choro destes bebés permite detetar aspetos tonais específicos das respetivas comunidades linguísticas. Para ter as nossas necessidades satisfeitas, somos mais ou menos programados para nos integrarmos. Produzimos vocalizações que soam como se pertencessem às comunidades dos nossos cuidadores. Progredimos através de vários estágios de desenvolvimento linguístico que resultam em padrões sonoros semelhantes aos que nos rodeiam.

Desenvolvemo-nos em sociedade, misturamo-nos com pessoas fora do nosso grupo social limitado e ficamos expostos a novos padrões de fala. Este processo pode fazer com que o sotaque de uma criança mude rapidamente para ser aceite pelos seus colegas. Por exemplo, um colega meu dos Estados Unidos, que trabalha no Reino Unido, contou-me como o seu filho começou a falar com a pronúncia padrão do inglês meridional desde que começou a escola. Os filhos ensinam agora os pais a falar o inglês “correto”.

Uma identidade forte

1496796140050_falar_comunicar_letras_destaque_abertura.pngHá outros indivíduos cuja pronúncia parece não mudar, e é possível que esta característica se deva ao facto de se sentirem seguros da sua identidade, e a sua maneira de pronunciar faz parte dessa segurança, ou à razão de darem mais valor à preservação da diferença. Estas pessoas podem nem estar cientes de como é importante o sotaque para elas. Tendo o que maioritariamente se considera a pronúncia desejável, um falante pode não a modificar para não perder essa vantagem.

Conscientemente ou não, as pessoas têm algum controlo sobre a sua fala quando mudam de casa. Mas os danos cerebrais ou os derrames podem, em casos raros, resultar na síndrome do sotaque estrangeiro (foreign accent syndrome – FAS), a qual resulta de alterações físicas que o falante não consegue controlar. Algumas áreas do cérebro estão associadas à produção e perceção da linguagem, e também temos regiões cerebrais que controlam os aspetos motores da fala.

Se nestas áreas houver uma lesão, os falantes podem perder a capacidade de falar ou sofrer mudanças na forma como articulam os sons, porque a área motora envia instruções diferentes para os órgãos vocais. Um exemplo extremo, relatado recentemente no jornal digital Metro, relata como uma mulher, Abby French, do Texas, EUA, acordou, após uma cirurgia, com a síndrome do sotaque estrangeiro. French afirmou que parecia russa, ucraniana ou australiana a qualquer momento. Quem ouve tende a perceber a fala alterada pelo sotaque mais familiar.

Há casos de os ouvintes terem comportamentos discriminatórios para com pacientes do síndrome do sotaque estrangeiro porque as consideram estrangeiras, o que mostra como a pronúncia pode influenciar a forma como os outros nos tratam. Não é de admirar que haja quem se proteja inconscientemente, adaptando a fala às pessoas em seu redor.

Cf. Ortografia e oralidade + Convenções transcrição fonética + Dígrafos e fonemas — Tabela com sons da língua portuguesa

Fonte

Artigo incluído na publicação digital The Conversation em 29 de março de 2023.

Sobre o autor

Professora de Fonética na Universidade de Reading (Reino Unido) e membro  da Advance HE (antiga Higher Education Academy). Tem estudado temas do ensino e da aprendizagem da fonética e da pronúncia do inglês. As suas áreas de investigação são a pronúncia do inglês britânico e global e os défices linguísticos na fala das crianças.