«Há um povo que resiste e insiste em ser feliz e em fazer da utopia de um mundo melhor e mais justo para todos o seu verbo, a sua palavra de ordem.»
As palavras são como o céu que sustenta a língua, assim como os xamãs indígenas acreditam que são eles que sustentam o céu do mundo. No dia que o último xamã morrer, o céu despencará sobre nossas cabeças. Por meio das palavras vamos tecendo o mundo visível e invisível, vibramos amor e afeto, construímos histórias e memórias, produzimos conhecimentos, projetamos mundos possíveis, dando vazão às nossas utopias. Mas também as palavras podem ser como lâminas cortantes, que ferem, ofendem e matam.
Nesse momento político em que vive o Brasil, experimentamos uma guerra de palavras, um confronto de discursos que contrapõem civilização e barbárie, democracia e fascismo, esperança e destruição. Por um lado, ouvimos do representante maior do nosso governo, durante a pandemia da COVID, a maior da nossa história, palavras como: «é apenas uma gripezinha», «eu não sou coveiro», «precisamos deixar de ser um país de maricas», «pobre só serve para votar e colocar o diploma de burro no bolso», «os livros são um amontoado de coisa escrita». Por outro lado, há um povo que resiste e insiste em ser feliz e em fazer da utopia de um mundo melhor e mais justo para todos o seu verbo, a sua palavra de ordem. A filósofa brasileira Marilena Chauí lembra-nos um dos aspectos da utopia, que é «radical, buscando a liberdade e a felicidade individual e pública, graças à reconciliação entre homem e natureza, indivíduo e sociedade, sociedade e Estado, cultura e humanidade, e à restauração de valores esquecidos ou descurados como a justiça, a fraternidade e a igualdade». Para nós, a utopia transborda em palavras de esperança, por um «Brasil feliz de novo», com a certeza dos versos de Chico Buarque, «amanhã vai ser outro dia».
Eduardo Galeano, importante pensador latino-americano, conta-nos que, certa vez, em uma conferência, um jovem perguntou a seu companheiro de mesa: «Para que serve a utopia?» Ele pensou na grande dificuldade que seria responder a essa pergunta. Então, o amigo respondeu: «A utopia é como a linha do horizonte. Quanto mais nos aproximamos dela, mais ela se afasta. Então, para que serve a utopia? Serve para que continuemos a caminhar.» Assim, eu espero que a utopia não nos abandone e que os nossos passos sigam firmes e confiantes de que o melhor para o nosso país está por vir.
Áudio disponível aqui:
[AUDIO: Edleise Mendes – As palavras e a utopia de um mundo melhor]
Crónica para o programa Páginas de Português na Antena 2, em 9 de outubro de 2022.