A poesia trovadoresca surge na época medieval, no período dos trovadores ou galego-português, que vai do século XII até à segunda metade do século XIV.
As explicações acerca da origem dos cantares trovadorescos têm sido variadas. Há quem defenda que partiu da poesia arábico-andaluza, embora Rodrigues Lapa considere esta tese com pouco fundamento, uma vez que a poesia andaluza continha algum erotismo, ao contrário da nossa. Para ele, a origem é litúrgica, pois as cantigas são semelhantes ao canto antifónico da Igreja, onde havia dois coros que alternadamente entoavam os versículos de um salmo.
Gustav Meyer e Hans Spanke atribuem-lhe a origem ao latim medieval. Na tese folclórica afirma-se que o latim serve de base à poesia trovadoresca. A tese etnográfica defende que a cadência paralelística das cantigas de amigo teve origem no ritmo que a donzela imprimia aos trabalhos caseiros.
No nosso entender, e perante todos os argumentos apresentados, a origem da poesia trovadoresca deve ser vista como um entrelaçar de várias influências e de várias teses.
O que distingue as cantigas de amigo e de amor
Quando se trata de poesia trovadoresca, as cantigas de amigo e as de amor são aquelas que mais atenção nos têm tomado. No entanto, há que ter em atenção que, apesar de todas elas serem escritas por homens, os sujeitos poéticos têm vozes distintas. Talvez seja essa metamorfose que se nos afigura delicadamente poética: a capacidade de um homem ecoar o pequeno universo interior e familiar de uma donzela, de sentir com ela, retratando-lhe os seus mais profundos sentimentos. Assim, parecem ser elas, as meninas / donzelas que confessam, partilham, desabafam, confidenciam, numa pureza subtil, espontânea, natural e simples, um discurso pouco elaborado, apaixonado e emotivo, quando, na verdade, o texto é escrito por um homem.
É essa delicadeza e sensibilidade, subtilmente femininas, que nos sensibilizam pela doçura das pequenas situações e dramas domésticos, cuja amplitude transborda através de refrãos intensos e saudosistas (eu atendend’o o meu amigo!eu atendend’o o meu amigo! – Meendinho, B 852/V 438) ou saltitantes de alegria juvenis (e nós, meninhas, bailaremos i. – Pêro de Viviaez, CV 336, CBN 698).
A atualidade dos sentimentos
Quando se trata de poesia trovadoresca, parece tudo muito antigo, antiquado, porque o tempo muda tudo: a linguagem, as realidades, as formas de estar no mundo.
E os sentimentos, aqueles que servem de base ao ser humano? Será que esta poesia, tão antiga, tão antiquada ainda tem o que nos ensinar?
Na verdade, as Cantigas de Amigo salientam alguns aspetos sobre os quais vale muito a pena refletir, nomeadamente, a importância do relacionamento entre mães e filhas, a confidência, o aconselhamento, a amizade genuína entre as amigas.
No que diz respeito às Cantigas de Amor, apesar de todo o artifício que se prende com o código do amor cortês, ninguém consegue ficar indiferente à “coita” de amor revelada pelo sujeito poético. Esse romantismo embevece, encanta, inebria os leitores cuja capacidade de abstração ultrapassa as linhas do texto e transforma os sentimentos revelados nas paixões mais arrebatadoras:
«A dona que eu am’e tenho por senhor / amostrade-mi-a, Deus, se vos em prazer for, / senom dade-mi a morte.» (Bernal de Bonaval).
Na verdade, o amor está sempre na moda e é sempre bem-vindo. No entanto, por vezes, é necessário recordar como se manifesta, face aos tempos que vivemos e à desumanidade a que assistimos.
E esta ideia não é inovadora, porque a música recorre a essa estratégia: uma poesia cheia de sentimento, feita de palavras e da magia das notas musicais.
Chico Buarque, por exemplo, tem em algumas canções marcas da poesia trovadoresca. Por exemplo, em Tanta Saudade, a “coita” de amor é evidente, como se pode ler nos seguintes versos:
«Era tanta saudade / É pra matar / Eu fiquei até doente /Eu fiquei até doente, menina.»
Assim, embora nas cantigas de amor o trovador destaque todas as qualidades da mulher amada, colocando-se na posição de seu vassalo, existe todo o destaque que é dado à mulher, que se enaltece, ao amor sentido, ao amor dispensado, fruto, na época, do sistema hierárquico do feudalismo. Não se tem, obviamente, como inspiração o sofrimento, a submissão, a vassalagem, mas, sim, a dedicação, a admiração, a capacidade de entrega.
Em suma, entre umas e outras cantigas, existem tradições culturais da Idade Média (século XII a XIV), cantigas criadas por trovadores, cuja ascendência era nobre, ou por jograis, membros do povo. Esta poesia escrita em galego-português tem a essência da alma humana e desnuda o que nos prende à vida: a humanidade.