« (...) O principal problema não é escrever em inglês mas a "obrigação de publicar em revistas científicas de poderosas empresas anglo-saxónicas". Pior: é o facto de existir uma "pressão dos investigadores e cientistas e dos organismos científicos/políticos/burocráticos nacionais de países não-anglo-saxónicos para publicar nessas revistas" (...)».
Publicar investigações de âmbito científico apenas ou sobretudo em inglês é um acto de «visão curta», «parcial» e «discriminatório», considera um grupo de investigadores portugueses, espanhóis, brasileiros e argentinos, autores do manifesto Pela Universalidade da Divulgação da Produção Científica, que está a circular na Internet.
Estes investigadores notam que a grande maioria das regiões do mundo, nomeadamente os países emergentes que «serão, provavelmente, os líderes de amanhã, estão no hemisfério Sul e a leste». E consideram que a decisão de publicar principalmente em língua inglesa é «parcial», já que «contempla uma língua, uma cultura, assumindo que essa é a cultura e língua de referência, o que a história mostra não ser verdade». É ainda «discriminatório» porque «foca a investigação e os interesses dos países ricos, que têm problemas e interesses específicos que em pouco coincidem com os dos restantes países».
O principal problema não é, contudo, escrever em inglês, sublinham, mas a «obrigação de publicar em revistas científicas de poderosas empresas anglo-saxónicas». Pior ainda, acrescentam, é o facto de existir uma «pressão dos investigadores e cientistas e dos organismos científicos/políticos/burocráticos nacionais de países não-anglo-saxónicos para publicar nessas revistas».
Para que a situação possa mudar, os investigadores fazem um conjunto de propostas aos investigadores, principalmente da Península Ibérica e da América Latina, tendo em vista a «universalização da divulgação científica». Entre estas, destacam a importância de reconhecer a possibilidade de escrever textos científicos de qualidade na língua materna desses países.
O impacto da produção científica deve ser avaliado na sociedade onde ela é realizada, em primeiro lugar, e noutras sociedades, depois, no entender destes investigadores. E, na sua opinião, «pelo menos 30% das publicações apresentadas por um investigador devem ser escritas na língua nacional».
A nomeação de um provedor científico por organizações científicas de topo, a quem os autores poderiam recorrer quando considerarem que os procedimentos editoriais das revistas científicas não forem «adequados», é outra das propostas dos investigadores.
Este manifesto é assinado por José Luís Pais Ribeiro, professor de Psicologia da Universidade do Porto, António Martins da Silva, médico neurologista e professor do Instituto Abel Salazar, Sílvia Kochen, neurologista e professora na Universidade de Buenos Aires, Marleide da Mota Gomes, professora de Neurologia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, António Valia-Bueno, professor de Psiquiatria na Universidade Autónoma de Madrid, e Manuel Silvério Marques, professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Cf. Português, Língua de Ciência + O inglês, o português e a ciência
Notícia do jornal Público de 28 de maio de 2012, com o título "Um grupo de investigadores protesta contra a "ditadura" da língua inglesa na produção científica".