Derivação: um processo morfológico de formação de palavras
As palavras de uma língua não são um conjunto fechado. Ao invés, as palavras existentes estão em constante evolução e, além disso, é sempre possível adicionar ao léxico novas palavras, sobretudo quando aparecem novas realidades. A derivação é um dos mecanismos disponíveis para a formação de novas palavras. Esta consiste num processo morfológico que assenta na união de um afixo a uma base. Este processo pode envolver adição de constituintes morfológicos ou não. Quando não há adição, distingue-se dois tipos de derivação: a conversão (tradicionalmente chamada de derivação imprópria), que consiste na integração de uma determinada unidade lexical numa nova classe de palavras, sem se verificar qualquer alteração formal (e. g. olharV - olharN); a derivação não afixal que se verifica quando se acrescenta marcas de flexão nominal a um radical verbal, resultando nomes deverbais (e. g. abraço). Já aqueles que envolvem adição são, genericamente, denominados de afixação.
De acordo com o Dicionário Terminológico, um afixo corresponde a um «constituinte que ocorre obrigatoriamente associado a uma forma de base», ao passo que o termo base surge definido como o «constituinte morfológico, que inclui obrigatoriamente um radical, a partir do qual se formam novas palavras». Em português, os afixos dividem-se em prefixos, sufixos e afixos descontínuos. Os primeiros ocorrem sempre à esquerda da base, os segundos à direita e os terceiros são, segundo Graça Rio-Torto em Gramática do Português, «caraterizados por serem constituídos por uma parte prefixal e uma parte sufixal que se juntam à base, (...) sendo, por isso, frequentemente denominados de "circunfixos"» (pág. 3029). No que concerne aos infixos, Graça Rio-Torto assinala na Gramática do Português que estes consistem nos «afixos acrescentados no interior de um radical, importantes na morfologia de outras línguas, [mas] têm um estatuto secundário em português» (pág. 3029).
Os constituintes afixais desempenham um papel muito relevante na formação de palavras do português, na medida em que são responsáveis pela criação de um grande número de palavras derivacionais a partir da mesma base simples, como por exemplo os vocábulos portaria a portada que derivam ambos do nome simples porta. A afixação atua também sobre bases lexicais já derivadas, como por exemplo a partir do verbo emagrecer obtém-se o nome emagrecimento, aumentando, assim, a possibilidade de formação de palavras pertencentes a classes diferentes daquela a que faz parte a sua base. Contudo, alguns sufixos, assim como os prefixos, não alteram a classe das bases a que se unem. A derivação por sufixação é o processo mais produtivo de formação de palavras.
Os afixos são também constituintes morfológicos fundamentais na caraterização das chamadas subclasses da derivação, o que significa que estes constituintes determinam parte das propriedades semânticas das palavras que auxiliam a construir. Assim, por exemplo, palavras terminadas com o sufixo -eiro estão, sobretudo, associadas a profissões (e. g. padeiro, cabeleireiro, pedreiro), uma vez que este sufixo, tal como assinala o Dicionário Houaiss, «ocorre (...) predominantemente em vocábulos qualificativos e/ou designativos de homens e mulheres que exercem determinados ofícios, profissões, atividades».
O ensino da morfologia derivacional em português como língua estrangeira
A formação de palavras é um tópico gramatical essencial no ensino e na aprendizagem de português, sobretudo, como língua estrangeira (PLN). Para um aprendente, falante nativo de outra(s) língua(s), a influência da morfologia lexical no processo consciente e inconsciente de aquisição vocabular é imensa. O processo de aprender palavras não significa apenas memorizar essas palavras, mas também compreender as partes que as compõem e os respetivos significados. Por isso, o estudo da derivação deve ser considerado um passo importante na aquisição e aprendizagem do português como língua estrangeira (PLE), na medida em que a compreensão deste processo constitui um auxílio na aquisição do vocabulário.
Entre as estratégias que os estudantes e professores conhecem e utilizam no estudo do vocabulário de uma língua estrangeira, a amplamente usada é a morfologia lexical. Esta consiste, sobretudo, na memorização e associação de palavras através de radicais e afixos, uma vez que a análise destes constituintes morfológicos e o conhecimento das suas combinações mais frequentes permitem ao aprendente ampliar o seu vocabulário em pouco tempo. Esta estratégia é reconhecida por muitos linguistas, que defendem que a análise formal das estruturas das palavras ajuda a determinar os seus significados. O mesmo é defendido pelas linguistas portuguesas Inês Duarte, Madalena Colaço, Maria João Freitas e Anabela Gonçalves em O Conhecimento da língua: Desenvolver a Consciência Lexical ao considerarem que «o conhecimento de prefixos e de sufixos de valor lexical e gramatical e das suas regras de combinação com radicais habilita-nos a reconhecer e a integrar no nosso capital lexical um sem-número de palavras e de formas de palavras».
Aprender uma língua estrangeira não é um processo fácil e que se conclua rapidamente. Por isso, as aulas de PLE não devem ter como objetivo único a transmissão de conhecimentos linguísticos, mas devem também incutir hábitos de investigação e pensamento crítico. Deste modo, no ensino da formação de palavras, cabe ao professor dotar os aprendentes de estratégias que lhes permitam entender o funcionamento do léxico da língua, nomeadamente os processos que intervêm na sua criação, como é o caso da derivação.