O verbo confinar deriva de confim, a que se juntou o sufixo verbal -ar. O adjetivo confim enraíza os seus sentidos no conceito de espaço fronteiriço, de espaço contíguo.
Por essa razão, o verbo confinar, de cujos usos há registos desde o século XVI, começou por ter uma significação de base locativa, física ou não, que apontava para o facto de os limites de uma dada entidade se tocarem. Assim, dir-se-ia «Portugal confina com Espanha» ou «A esperteza dele confina com a sua tolice». Por extensão, confinar podia também designar a ação de traçar limites à volta de algo («Ele confinou uma horta no seu terreno») ou a ação de se manter dentro de certos limites, de se restringir («confina o teu mau feitio no trabalho»).
A pandemia veio secundarizar todos estes sentidos do verbo confinar, trazendo para primeiro plano um outro sentido: o de obrigar alguém a ficar num espaço limitado. Este uso do verbo confinar foi considerado um galicismo pelos puristas, que preferiam, em sua substituição, os verbos encerrar ou clausurar.
O que é certo é que a língua seguiu indiferente a estas censuras e hoje o sentido primeiro de confinar é mesmo o de ficar encerrado dentro de sua casa. É por essa razão que, após um ano de pandemia, esta se converteu em palavra maldita e indesejada. Porque a língua também é espaço de afetos. Também por este motivo o verbo desconfinar, palavra feia e de sonoridades pouco convidativas, se converteu no novo desejado. Será fama de pouca dura. Durará somente até ao dia em que a possibilidade de confinar se mantiver. Depois, desconfinar ficará junto das palavras adormecidas, que ficam depositadas no dicionário e na memória de alguns.
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[AUDIO: Confinar e Desconfinar]
Apontamento da autora no programa Páginas de Português, emitido na Antena 2, no dia 28 de março de 2021.