«Porque é que a linguagem e a sua estrutura – a Gramática – não pode ser estudada por si só, tal como qualquer fenómeno da Física ou da Biologia - como matéria de direito próprio?»
Verbos, advérbios, complementos, sintagmas, orações relativas… são termos que os alunos imediatamente reconhecem como pertencendo à Gramática. E gramática, para eles, significa classificações e exemplos para decorar, seguidas de listas ou frases para preencher. Ou seja, um grande aborrecimento.
A ideia de que o estudo da Gramática é uma coisa desinteressante recebe, por vezes, eco de alguns pedagogos e até de académicos da área das humanidades. Logo a seguir, fala-se no horror que era dividir as estâncias de Os Lusíadas em orações e no horror que é ter de saber nomes estranhos como “complemento oblíquo” ou “modificador do grupo verbal” e outras classificações impostas pela TLEBS ou Dicionário Terminológico.
Sobre a Gramática, ou qualquer outra matéria de outra área do saber, ser ou não ser interessante há desde logo a dizer que para pessoas interessantes tudo é interessante. E que muitas vezes o que se passa é que os alunos desconhecem que são pessoas interessantes, porque ninguém os trata como tal.
Mas especificamente, no caso da Gramática, vejamos o seguinte: a linguagem verbal é o traço primordial que nos distingue dos restantes animais; a linguagem verbal é o instrumentário que nos permite pensar, raciocinar, imaginar, criar, de maneira cada vez mais complexa. Se assim é, em que medida é que a linguagem é menos interessante de estudar do que estudar o ciclo da água ou a estrutura do átomo? Porque é que a linguagem e a sua estrutura – a Gramática – não pode ser estudada por si só, tal como qualquer fenómeno da Física ou da Biologia - como matéria de direito próprio?
Depois de passarmos a etapa do mais ou menos interessante, a acusação seguinte é a de que saber gramática não serve para nada. Mas então a escola agora só pode ensinar o que tem aplicabilidade imediata? Não quero pôr a Gramática a rivalizar com nenhuma outra matéria das outras disciplinas, mas aquilo que a Gramática tem mais é aplicabilidade imediata. De que modo? Tornando eficiente o processo de leitura e escrita do aluno.
Um exemplo. Imaginemos: o professor está a ensinar a escrever um texto descritivo. Como é que ele o faz sem falar em adjetivos, verbos copulativos, locuções prepositivas e adverbiais que são os ingredientes do texto descritivo? De modo que há duas hipóteses: se durante a aula, na sua tentativa de redigir um texto descritivo, o aluno escrever «O meu cão é grande, feroz e animal» o professor que acha que a gramática não serve para nada dirá que a frase soa mal e que, portanto, o aluno deve escrever outra e pronto. Mas o professor que sabe para que serve a gramática dirá que a frase não tem pertinência informativa porque “animal” é hiperónimo de “cão” e que as duas palavras anteriores na frase são adjetivos e que a terceira palavra também deverá ser um adjetivo.
Agora a pergunta é: se o aluno desconhece a nomenclatura gramatical por completo, como é que o professor pode explicar a correção que faz ao texto do aluno? Fica-se pelo soa bem/soa mal? Deixamos a cargo do aluno apanhar-lhe o jeito? Mas se é o aluno que tem de lhe apanhar o jeito, a pergunta já não é «para que serve a gramática?», a pergunta é «para que serve a escola?»
Texto de Ana Sousa Martins para a rubrica "Cronigramas" do programa Páginas de Português, emitido pela Antena 2 em 4/11/2018.